quarta-feira, 5 de maio de 2010

Será que você é mesmo Alice?

Por Arnobio Rocha
http://arnobiorocha.wordpress.com



 
                   A estória de Alice no país das maravilhas, ou melhor, a versão desta feita por Tim Burton tem suscitado polêmica sobre a qualidade do filme, da decepção causada devida à grande expectativa criada, desde quando se anunciou o filme. Gostei muito do filme, contrariando opiniões de amigos que viram e acharam-no fraco, sem roteiro, sem nexo e para algum enfadonho. Resolvi escrever algumas idéias sobre a obra.
                  A pergunta que se repete em todo o filme é esta: “Será que você é mesmo Alice?” é sem dúvida o caminho para ver com outros olhos a pequena grande ousadia do filme: fazer Alice sem ser Alice, usar os elementos de Alice e fazer outra Alice. Esta jogada de frases e imagens que constroem e desconstroem a obra de Alice é mensagem fundamental que consegui tirar do filme.
Para mim há três níveis em no filme sobre Alice:

(1) Rito iniciático clássico;
(2) Psique Menina/Mulher;
(3) Produção onírica;

                 Este conjunto é extremamente bem desenhado nas imagens de 3D, muito bem encaixadas para cada nível, o jogo das cores, as mudanças de conduta e atitude dos personagens e a variação das cores formam um todo que, a meu ver são grandiosos. Entrando em cada nível teremos a compreensão da obra:
  1. Rito iniciático clássico


                Alice tem sua Catábase, ou catábasis (κατὰ do grego, “para baixo” βαίνω “ir”) é uma descida de algum tipo. Catábase pode ser um movimento para baixo, um afundamento de ventos, um recuo militar, ou uma viagem ao submundo. Pode significar também uma viagem do interior de um país ao longo da costa, e tem significados relacionados com a poesia, a retórica e a psicologia moderna(Definição Wikipédia baseada na psicologia).
                Nos ritos iniciáticos gregos antigos a necessidade de se descer a outro mundo é compreendido como a necessidade de romper com um estágio de vida, não apenas na idade, mas fundamentalmente psicológica. Os ritos de Eleusis que foram sufocados pela religião cristã, era exatamente esta passagem.      Notadamente estes ritos são relacionados aos homens, mas os mistérios de Eleusis eram compreendidos também às mulheres. O que nos sobra são os fragmentos destes ritos na peças “As Bacantes”.
               Em outras culturas, como na judaica, homens têm seu Bar-Mitsvá aos 13 anos, passando de criança à Homem. As meninas se comprometem com Mitsvot aos 12 anos, relacionado com a Menarca (primeira menstruação), deixando de ser criança e virando Mulher.
Parece claro que a descida que Alice faz antes de aceitar ou não seu pedido de casamento com o rico asqueroso que lhe “compraria” a garantia de não ficar solteira, para ser apenas titia. Neste momento, ela, aos 19 anos, é posta à prova quando deve romper com seu mundo infanto-juvenil e virar mulher. Sua descida ao infernum (termo latim para mundo inferior) é um ato claro de revisão de vida.
             As imagens são a combinação de alegria e apreensão, medo e felicidade, revisitar personagens que convivem com ela desde a tenra idade, e este sempre a lhe perguntar: Será que você é mesmo Alice?

2. Psique Menina/Mulher



              Aqui entra a segunda parte do mesmo mito, a psique feminina. Tim Burton faz um filme de um universo feminino com grande sensibilidade, Alice vai oscilar entre A rainha vermelha e a branca, entre o Sexo, luxúria (vermelha) e a inocência, candura (branca). Por ambas ela será querida, a porção menina fala mais alto, a principio. Mas ambas propõe que ela mate seu dragão, a vermelha tenta lhe seduzir na convivência, porque ela detém o dragão, é mais sutil, pois tem certeza que logo ela será Mulher.
             Já a rainha branca deixa-lhe claro, ela tem que matar seu dragão, libertar a si mesma. Alice vacila, tem repulsa a matar, questiona-se por que deve fazê-lo. Mas intimamente sabe que deve ser assim, e na última hora tem o significativo encontro com Absalem, a lagartixa, esta em transformação e mostra-lhe que TODOS deixam um corpo para ser outro, é a metamorfose natural da vida e da cabeça.
            A luta é saída natural, a frágil menina é posta frente a frente com o dragão e tem que descobrir dentro de si como matá-lo, por mais improvável que seja ela o mata, a imagem é grandiosa, muito didática, bem construída.
            A reflexão anterior à luta, os propósitos de menina, e depois o amadurecimento de mulher são evidentes, mais ainda o diálogo final dela com o chapeleiro, sua última reminiscência, pergunta-lhe se não quer ficar neste “mundo”? Óbvio que depois de matar o dragão não há mais volta.

3. Produção onírica;


            Talvez a grande crítica ao filme seja a questão do roteiro, que não há humor ou ação, que o andamento é caótico, não tem lógica e por ai desfiam-se as reclamações. Para esta questão, caberia perguntar: existe ordem nos sonhos? Controla-se o que se deve sonhar, como acontecer cada coisa?
           O filme é baseado em Alice, mas não é Alice, está claro desde o início é um sonho, uma produção onírica, que o compromisso com a “realidade” é puramente circunstancial. As imagens, as viagens ao submundo da psique de Alice, seus monstros e seus objetos de desejos estão lá, envoltas em névoas psicodélicas.
           A dificuldade de entender esta dinâmica do filme, talvez nos leve a menosprezar a grandeza da obra, ou nos contentarmos apenas com um ou outro aspecto da produção.
           As fantásticas imagens em 3D nos levam ao mundo dos sonhos, diretamente à mente daquela jovem, que por acaso se chama Alice, mas que pode ser que não seja Alice.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A difícil transição paulista

Por Marcio Pochmann


          QUANDO SE completa a primeira década do século 21, o Estado de São Paulo demonstra viver um de seus maiores desafios históricos, qual seja, o de continuar sendo a locomotiva econômica que dirige o país. Na perspectiva recente, isso parece estar comprometido diante de importantes sintomas de decadência antecipada.
           Entre 1990 e 2005, por exemplo, o Estado paulista registrou o segundo pior desempenho em termos de dinamismo econômico nacional, somente superando o Rio de Janeiro, último colocado entre os desempenhos das 27 unidades da Federação.
          Atualmente, o Estado paulista responde por menos de um terço da ocupação industrial nacional -na década de 1980, era responsável por mais de dois quintos dos postos de trabalho em manufatura.
         Simultaneamente, concentra significativo contingente de desempregados, com abrigo de um quarto de toda mão de obra excedente do país -há três décadas registrava somente um quinto dos brasileiros sem trabalho.
           Em consequência, percebe-se a perda de importância relativa no total da ocupação nacional, que decaiu de um quinto para um quarto na virada do século passado para o presente.
           Se projetada no tempo, essa situação pode se tornar ainda mais grave, com São Paulo chegando a responder por menos de 20% da ocupação nacional, por um terço de todos os desempregados e apenas por um quinto do emprego industrial brasileiro no início da terceira década do século 21.
          Essa trajetória pode ser perfeitamente revertida, uma vez que não há obstáculo econômico sem superação.
           A resposta paulista, contudo, precisaria vir da montagem de uma estratégia inovadora e de longo prazo que não seja a mera repetição do passado.
         Na visão da antiga oligarquia paulista, governar seria fundamentalmente abrir estradas, o que permitiria ocupar o novo espaço com o natural progresso econômico. Por muito tempo, o Estado pôde se privilegiar dos largos investimentos governamentais em infraestrutura, o que permitiu transitar das grandes fazendas produtoras e exportadoras de café no século 19 para o imenso e diversificado complexo industrial do século 20.
          Em apenas duas décadas, o Estado paulista rebaixou a concentração de quase dois terços de sua mão de obra no setor primário para menos de um terço, dando lugar ao rápido crescimento do seu proletariado industrial.
         Com isso, a ocupação em manufatura convergiu para São Paulo, passando a representar 40% de todos os empregos industriais do país na década de 1960, contra um quarto em 1940.
          Em virtude disso, o protagonismo paulista reverberou nacionalmente por meio do ideário de que seria a locomotiva a liderar economicamente o Brasil grande. Tanto que não era incomum à época que as lideranças de outros Estados sonhassem com a possibilidade de repetir o caminho paulista. O principal exemplo se deu com a implantação de uma "mini-São Paulo" no meio da Floresta Amazônica, por intermédio da exitosa implantação da Zona Franca de Manaus.
          Para as décadas vindouras, o futuro tende a exigir a ampliação predominante do trabalho imaterial, cujo principal ativo é o conhecimento.
          Não significa dizer que as bases do trabalho material (agropecuária e indústria) deixem de ser importantes, pois é estratégico o fortalecimento das novas fontes a protagonizar o dinamismo econômico do século 21.
          Se houver força política nesse sentido, o Estado de São Paulo poderá transitar para a continuidade da condição de liderança econômica da nação, passando a responder por 40% do total do trabalho imaterial do país.
          Os esforços de transformação são inegáveis, pois, além da necessária oxigenação de suas instituições, os próximos governos precisariam inverter suas prioridades, com a adoção, por exemplo, de um gigantesco e revolucionário sistema educacional que assegure as condições necessárias do acesso de todos ao ensino, do básico ao superior, ademais da educação para a vida toda e com qualidade.
          Na sociedade do conhecimento em construção, a liderança econômica não surgirá da reprodução de sistemas de ensino comprometidos com o passado, tampouco de relações governamentais com profissionais da educação compatíveis com o século 19.
         Ainda há tempo para mudanças contemporâneas, sobretudo quando a política pública é capaz de romper com o governo das ideias ultrapassadas. Sem isso, o fantasma da decadência reaparece, fazendo relembrar as fases de liderança econômica de Pernambuco durante a colônia e do Rio de Janeiro no império.