terça-feira, 5 de julho de 2011

Protagonistas da Conferência Ethos



Clemente Ganz Lucio, do Dieese, e Guilherme Dias, do Ipea, comentam as expectativas de suas organizações em relação à agenda para uma nova economia.

Dando continuidade à série de entrevistas com os parceiros do Instituto Ethos na preparação coletiva da Conferência Ethos 2011, o Notícias da Semana traz a visão de mundo de organizações da sociedade civil. Nesta edição, representantes do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) contam como pretendem auxiliar o país a se tornar um dos “Protagonistas de uma Nova Economia – Rumo à Rio+20”, tema da conferência que acontecerá entre os dias 7 e 9 de agosto próximo.

Até lá, tentaremos ouvir a maior parte das 35 organizações representantes do conjunto da sociedade que vêm contribuindo para a construção de uma agenda em torno da Plataforma por uma Economia Inclusiva, Verde e Responsável – um dos principais eixos da Conferência. Essa agenda deve contemplar as diferentes expectativas e contribuições dos organizadores que representam trabalhadores, empresários e organizações não governamentais, além dos setores público e acadêmico.

A seguir, as entrevistas com Clemente Ganz Lucio, diretor técnico do Dieese, e Guilherme Dias, assessor da presidência do Ipea.

Notícias da Semana: De que maneira a sociedade, o governo, representantes dos trabalhadores, ONGs e empresas podem trabalhar juntos para assumir compromissos que acelerem a entrada do país nesse novo modelo econômico?

Clemente Ganz Lúcio: É preciso refletir a partir do pressuposto de que os problemas decorrentes das mudanças climáticas causam impactos sem precedentes na história. Nunca a humanidade enfrentou um problema dessa magnitude e, como no mundo predomina a economia de mercado (na qual há indivíduos o tempo todo tensionando com outros indivíduos), nossa sociedade ocidental democrática precisa renovar e reforçar seu papel com mecanismos de gestão coletiva para ingressarmos nessa nova economia. Isso exige negociação a ser construída num espaço de diálogo, envolvendo todos os atores sociais, porque ninguém está excluído dos impactos terríveis que sofreremos se não adotarmos um novo modelo econômico. Atividades, eventos, processos, movimentos semelhantes ao que o Ethos faz como essa conferência criam ambientes favoráveis ao diálogo, movimentando agentes políticos, ONGs, empresas, trabalhadores. É fundamental também que determinados posicionamentos ganhem presença na política pública, que uma diretriz tirada numa Conferência Ethos vire diretriz de política pública. Assim como faz diferença numa economia de mercado, a presença do Estado, também será fundamental para acelerar a transição para uma economia verde e inclusiva. Ele vai, por exemplo, colocar balizas que incentivem as empresas a repensar sua atuação. O Estado tem de entender que cabe a ele operar o processo de transformação para o qual a sociedade acena. Caso contrário, o que levará uma empresa a mudar seu plano de negócio? A economia é demandante de recursos materiais e de energia e, na sociedade de mercado, a realização da renda, da riqueza, é dada pela velocidade do consumo. Então, a empresa aposta na expansão do consumo. Quanto mais ela vender e quanto menor for a vida útil do seu produto, mais lucro terá.

Notícias da Semana: Como o Ipea pode trabalhar junto à sociedade e ao governo para acelerar a caminhada do pais em direção a esse novo modelo econômico?

Guilherme Dias: Há 46 anos o Ipea acompanha a evolução no modo de como o Estado se relaciona com a sociedade. Portanto, ouvir, consultar a sociedade é exigência para o Ipea poder melhorar continuamente a qualidade de sua produção. Nossa instituição é o maior centro de pesquisa de formulação e avaliação de políticas públicas das Américas. Nem os Estados Unidos possuem uma fundação pública com essas responsabilidades. A construção das políticas públicas passa pelo debate com a sociedade. Afinal, é ela quem sabe o que precisa e o que quer. O Ipea acompanha a questão ambiental desde a Eco-92 e vários estudos sobre a economia verde e outras questões relacionadas ao meio ambiente estão disponibilizadas no site da instituição. O debate sobre o desenvolvimento é muito presente e dinâmico na sociedade do século XXI e o Ipea também cumpre sua missão nesse cenário. Em novembro passado realizamos a 1ª. Conferência Nacional do Desenvolvimento, da qual participaram desde estudantes e operários até doutores e ministros de Estado. Durante três dias, aconteceram mais de 50 oficinas e seis painéis sobre os mais variados temas, de energia nuclear a inclusão social. A formação de redes com pesquisadores nacionais e de outros países são outro meio de o Ipea se manter conectado à sociedade.

NS: Que tipo de mudanças o país precisa implementar para que essa nova economia seja de fato inclusiva, calcada na quebra de paradigmas (como o do incentivo ao consumo) extremamente arraigados no atual modo de fazer negócios? Como o Dieese e o Ipea vêm enfrentando esse desafio?

CGL: Temos de caminhar para mudanças de paradigmas em dois extremos: no modo de produção e no de consumo, revendo as formas de distribuir essa produção. Precisamos começar a decidir as escolhas que faremos para mudar nosso futuro. A escolha errada comprometerá a continuidade da vida no planeta. Está claro que não é sustentável manter o atual padrão de consumo mundial. A energia, por exemplo, nos níveis de consumo do modelo europeu ou japonês, se for demandada na mesma quantidade por africanos, latino-americanos e asiáticos, o planeta não suporta. Também serão críticas as conseqüências de outras escolhas, como continuar expandindo nossa fronteira agrícola. Temos de olhar para isso como metas sociais, políticas e econômicas de toda a sociedade, o que necessariamente exige um movimento organizado que se contraponha às posições dominantes sobre o modelo econômico a ser adotado. Os europeus tomaram uma decisão coletiva de reduzir drasticamente seu consumo de energia. Já os americanos não têm essa visão. O que fazemos? Uma guerra contra os Estados Unidos? Como conseguir sensibilizar a sociedade americana para que ela apoie esse tipo de movimento? Por outro lado, o que diremos aos chineses, latino-americanos e africanos que vêm sendo incluídos no mercado de consumo? Que eles não têm o direito de desfrutar de um estilo de vida tão almejado como o europeu ou o americano? São questões complexas, decisões que precisam ser aceleradas, porque percebemos que as discussões têm ocorrido, mas a efetividade da implementação é baixa. Essa diretriz do diálogo entre agentes que representem a sociedade visa responder ao desafio de propor transformações num espaço democrático, sem guerra nem totalitarismo. Como se faz isso, sem parecer um enfrentamento de posições numa mesa de bar? Identificando metas, objetivos e diretrizes comuns a essa disputa. E todos os atores sociais têm de se engajar. As organizações ligadas aos consumidores, por exemplo, precisam trabalhar para desenvolver a consciência de que o consumo nesse nível é predatório.

GD: Um bom começo seria aprofundar, nos aspectos qualitativo e quantitativo, as políticas públicas universalizantes. Precisamos procurar meios e condições para que o Estado ganhe eficiência estrutural, principalmente na educação pública, de modo a implementar um ambiente de avanços culturais. Precisamos de uma escola pública que ensine e incentive o processo de reflexão mais sistêmico e menos enciclopédico.

NS: Cooperação é a palavra de ordem da nova sociedade que buscamos. Qual o papel do Dieese, do Ipea, do governo, das empresas, dos agentes financeiros e de outras instituições no esclarecimento da sociedade sobre a necessidade de romper paradigmas (de consumo, de métricas para avaliar a economia, de crescimento/desenvolvimento)?

CGL: Cabe aos trabalhadores, enquanto produtores econômicos, pensar a produção sob outra ótica, com foco numa sociedade sustentável. Revertendo, por exemplo, a estratégia de transporte individual para coletivo, no caso das grandes cidades – e aí entra também a vontade política de prefeitos e governadores de criarem espaços urbanos para que o transporte coletivo funcione com agilidade. É preciso assumir essa diretriz como estruturante de uma gestão pública e, sem a pressão dos movimentos sociais para que essa mudança ocorra, ficamos apenas nos discursos politicamente corretos. Vejam a questão da proibição do fumo em espaços públicos, hoje virando procedimento em todo o país. Ou seja, há possibilidade de se mudar uma cultura arraigada e o poder público assume essa mudança quando a sociedade se movimenta para isso. Temos de nos organizar, trabalhar a conscientização, investir no diálogo, firmar compromissos. Temos de insistir, não há outra alternativa. Ou melhor, a outra alternativa é deixar como está. O homem, que se considera uma forma de existência “superior”, será a primeira espécie a provocar sua própria extinção, a menos que tenhamos a capacidade política de perceber que a expansão desse nível de desenvolvimento não é sustentável. O Brasil mudou. Antes, dois terços da nossa população estavam fora do mercado de consumo, então o país era viável para aquele um terço que consumia, andava de carro, usava os aeroportos. Havia uma estrutura urbana adequada para aquelas pessoas que iam ao cinema, ao shopping. Agora, com a expansão da classe média e a inclusão de milhões de brasileiros na economia, começaram a aparecer os gargalos estruturais. Quanto mais inclusiva for nossa sociedade, mais esse cenário vai mudar. E como faremos para transformar essa situação num ambiente favorável? Ou voltaremos a excluir esses dois terços da população? É um desafio muito grande. Numa economia de mercado fortemente capitalista, em que se valoriza a perspectiva de acumulação privada de riqueza, pensar no coletivo é complicado. A empresa não pensa no coletivo; atua dentro da lógica estabelecida, que é vender mais, produzir mais, faturar e lucrar mais, esgotando os recursos naturais. É difícil colocar o bem-estar coletivo, pensando no planeta, acima dos interesses individuais e privados. O discurso que se ouve é: “Trabalho, ganho o meu dinheiro e tenho o direito de comprar um carro de 2 toneladas para transportar uma pessoa de 70 quilos”. Estão aí os carros cada vez maiores, mas as pessoas esquecem que a soma dos direitos individuais não cabe no planeta. Ou conseguimos estabelecer a referência de que o coletivo pressupõe um olhar para o outro, ou não avançaremos. Temos de insistir, porque sabemos que o resultado dessa história toda não será nada bom.

GD: Conscientização é um processo lento. Não dá para, num curto prazo, mudarmos uma cultura consumista estimulada diariamente pela mídia a se expandir ainda mais. O dilema é: será que os agentes financeiros, por exemplo, que lucram com as operações especulativas nas bolsas de valores, querem mudar o modelo atual? Por outro lado, com a desaceleração do consumo, a produção diminui e o desemprego aumenta. Mas já é possível detectar um movimento positivo de incentivo à nova economia, com a criação de fundos de ações de indústrias que respeitam o meio ambiente. Nosso país, privilegiado pela grandeza e diversidade de seus ecossistemas, reúne condições de dar um salto de qualidade na questão da economia verde. Existe um forte movimento envolvendo centros de pesquisa – como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – e universidades da Região Norte do país, num debate já bastante avançado sobre a economia verde. Há, inclusive, experiências regionais muito interessantes, como é o caso da exploração do açaí no Pará, sem desmatamento, com preservação ambiental e geração de renda e riqueza para a sociedade local.

Por Denise Ribeiro, para o Instituto Ethos










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