terça-feira, 5 de outubro de 2010

Um país para 190 milhões de brasileiros

Transcrevo a entrevista concedida por Dilma no livro "Brasil entre o passado e o futuro", organizado por Emir Sader e Marco Aurélia Garcia, com a intenção de contribuir com o debate político neste 2º turno da eleição.
Muitos opositores do governo do Lula atribuem ao acaso ou a sorte o sucesso do governo. Não é verdade! Planejamento e escolhas do presidente Lula foram determinantes para que o Estado brasileiro proporcionasse os avanços sociais e econômicos , nestes últimos 8 anos.
Aos que ainda duvidem da capacidade intelectual e administrativa da Dilma, a entrevista evidencia e deixa patente que esses argumentos também são improcedentes. Dilma possui um enorme conhecimento do Brasil e de como as coisas funcionam no governo e estão interligadas.
Sempre compreendi que a emoção e a razão são elementos que influenciam a tomada de decisão de em quem vai se votar. A transcrição da entrevista , onde Dilma aborda diversos temas de interesse da sociedade, inclusive, o ambiental, compara os resultados e táticas do governo Lula com seus antecessores sendo uma excelente oportunidade as brasileiras e brasileiros conheçam melhor a Dilma e o governo Lula, ainda mais que, o 2º turno definirá o futuro do Brasil pelos próximos 4 anos.
Por ser uma entrevista longa, irei publicá-las em partes, mas como cito a fonte da publicação, leitores mais atentos, interessados e curiosos poderão encontra-la na íntegra, ao invés de ter que aguardar a postagem das demais partes.
A presente postagem também serve para desmitificar e dar a "Cesar o que é de Cesar", à cerca do desempenho do governo do presidente Lula. A História ainda lhe dará o devido crédito e destaque, uma vez que, muitas das decisões adotadas no governo foram decididas, de forma solitária, por Lula - homem dotado da incrível combinação da inteligência nata para  reconhecer o óbvio e de forte intuição. 
Boa leitura!

"Um país para 190 milhões de brasileiros" 

Natural de Minas Gerais, filha de um poeta búlgaro e de uma professora brasileira, Dilma Rousseff trilhou uma diversificada trajetória na esquerda brasileira. Militante de organizações que se opunham ao golpe civil-militar, filiou-se ao PT em 2001. Foi responsável pelo programa de Energia do governo Lula e esteve à frente do Ministério de Minas e Energia entre 2003 e junho de 2005, quando passou a ocupar o cargo de ministra-chefe da Cada Civil.
            Em meio a seus compromissos em Brasília, Dilma concedeu em 13 de janeiro de 2010 para entrevista a Marco Aurélio Garcia, Jorge Mattoso e Emir Sader, feita especialmente para este livro. Em pauta, a discussão de um projeto de Brasil, cujo resultado apresentamos abaixo.

Emir Sader - Que características diferenciam o governo Lula dos outros governos?

Dilma Rousseff - Posso citar, sinteticamente, quatro movimentos estruturais: crescimento da economia com estabilidade, expansão do mercado interno, reinserção internacional do país e redefinição das prioridades do gasto público. No caso do crescimento com estabilidade, vale destacar a política monetária de controle e metas de inflação, o ajuste dos juros aos níveis internacionais e o acúmulo de reservas cambiais. Foi isso o que nos garantiu margem de manobra nas políticas interna e externa. A expansão do mercado interno, por sua vez, se apoiou na melhoria da distribuição de renda, tanto pessoal como regional, e na expansão do crédito. De forma articulada com a universalização dos serviços públicos, o aumento do salário mínimo acima da inflação e a garantia da aposentadoria  rural, mais a expansão do programa Bolsa Família, conseguimos provocar uma forte mobilidade social, fazendo com que parte expressiva das camadas pobres entrasse na classe média. O terceiro movimento, o da reinserção internacional, fez o Brasil se projetar como uma liderança efetiva, regional e  mundialmente, destacando-se como país exportador e como país de destino de investimentos. Estabelecemos, também, relações privilegiadas com a América Latina, África, o Oriente Médio e a Ásia. O quarto movimento da redefinição das prioridades do gasto público, significou uma ênfase maior no investimento em políticas sociais, e uma vigorosa parceria estratégica com o setor privado, estados e municípios.

Emir Sader- De que forma esses quatro movimentos foram percebidos socialmente?

Dilma Rousseff- Esses movimentos se manifestaram – e se manifestam - de forma distinta em todas as classes sociais, porém mais fortemente entre as mais pobres. Resgatamos cerca de 22 milhões de brasileiros do nível da miséria (hoje out./2010 esse número é 28 milhões), assegurando seu acesso a bens básicos de consumo, alem de alimentos, como a carne, o iogurte, etc. Proporcionamos o surgimento de uma nova classe média (chegamos aos 31 milhões de brasileiros nessa faixa – hoje são 36 milhões) e acrescentamos benefícios para a antiga classe média.
            Um importante segmento do setor agrícola foi beneficiado com a agricultura familiar. O programa de reforma agrária do governo tem envergadura: nunca haviam sido liberados tantos recursos para pagamento de indenizações de terras, e para fins de assentamento. O centro do programa de desenvolvimento agrário é a política da agricultura familiar, baseado em eixos estratégicos: acesso à terra, ao financiamento e aos programas de extensão rural e de assistência técnica. Importante destacar que esse movimento não tem sido contraditório com o avanço dos segmentos exportadores do agronegócio, considerando que estes foram beneficiados pela política de crédito.
            A retomada da política industrial, expressa no plano de desenvolvimento, beneficiou os segmentos produtivos industriais e de serviços do país, colocando em evidência a amplitude do modelo de desenvolvimento econômico com inclusão social. Abrange as políticas de incentivo ao conteúdo local, que levaram à produção nacional de plataformas, navios e à retomada da indústria naval, passando pelas propriedades aos fármacos, à indústria de tecnologia da informação, aos biocombustíveis, à nanotecnologia etc.
            Do ponto de vista social, o resultado de nossas ações foi, primeiramente, transformar os setores mais pobres da população em atores políticos e sujeitos sociais. Os programas Bolsa Família e Luz Para Todos são instrumentos modernos e efetivos de transferência de renda. Não têm nada do velho populismo, porque são impessoais, tratam as pessoas com dignidade e ajudam na transformação de uma consciência cidadã. Elaboramos políticas para médios e pequenos empresários e o fizemos de forma aberta, transparente. Temos, assim, um leque social de beneficiários da política de governos e é isso que nos diferencia.

   Jorge Mattoso – As definições de política industrial também distinguem o governo Lula dos antecessores?

    Dilma – A política industrial tem um papel muito importante. O governo Lula rompeu com a visão predominante de integração da Alca, ou seja, a perspectiva desindustrializadora do país, e implantou uma política agressiva de expansão da indústria brasileira e do setor de serviços. Houve um momento em que predominou uma visão que considerava moderno não manter política industrial, pois supostamente ela distorceria as relações de mercado. Decorria dessa visão, por exemplo, a política de compra do exterior de plataformas para exploração de petróleo, isso significava enviar para fora do país dois bilhões de dólares de demanda – empregos, cadeias produtivas, equipamentos, serviços e renda - a cada plataforma importada. Nosso governo foi radical ao alterar essa visão. Nós oferecemos, novamente, foro de legalidade a uma questão chamada conteúdo local. Hoje parece normal falar do assunto, ver a indústria naval se recuperando, por exemplo. Mas isso causou estranheza no passado, com um debate sobre se é possível ou não investir. E provamos que é possível!
             Uma política de desenvolvimento produtivo, que apóie setores inovadores, implica em incentivos coordenados para a pesquisa e a inovação, como é feita na indústria de fármacos. O setor industrial percebeu que é altamente vantajosa a presença do Estado em diferentes áreas, com a recomposição de nossa capacidade de planejamento. Deram-se conta, claramente, de que o Estado não é concorrente, mas indutor e parceiro. Isso fica evidente quando analisamos o impacto positivo do PAC, por exemplo nos investimentos em saneamento e no programa Minha Casa Minha Vida, atingindo o setor da construção civil.
               A questão do crédito merece um destaque especial, porque democratizamos seu acesso a todos os segmentos produtivos, através de novos instrumentos bancários, do acesso a contas simplificadas, da ampliação do crédito imobiliário e de longo prazo. Temos uma política através do crédito consignado e do crédito à agricultura familiar.

Emir Sader – A remuneração do capital financeiro é funcional ou disfuncional à construção desse arco de alianças? O papel do capital financeiro mudou ao longo do governo?

Dilma – Está em outro patamar. A primeira fase da política econômica do governo, de responsabilidade do ex-ministro Antonio Palocci, foi um momento decisivo para essa construção porque nos deu um novo grau de liberdade. O fato de termos mantido a inflação baixa, perseguido uma política fiscal responsável e de termos pago a dívida do Fundo Monetário Internacional (FMI), nos assegurou a margem de manobra necessária para dar início à nossa política de crescimento econômico com inclusão social. Num segundo momento, com o ministro Guido Mantega, conquistamos também a necessária margem de manobra, com a montagem de reservas cambiais externas crescentes. Hoje temos, em reservas 214,4 bilhões de dólares (atualmente essa reserva se aproxima dos 270 bilhões de dólares).
                    No segundo mandato, com a ampliação do investimento produtivo e a aceleração do Produto Interno Bruto (PIB), foi relativizada a importância do capital financeiro no jogo econômico. Sabemos que não se muda a importância do capital financeiro apenas no discurso. Foi o próprio centro dinâmico da economia que se deslocou do setor financeiro para o produtivo. Quando começamos a colocar na ordem do dia o investimento, mudamos a política e dissemos “agora é a hora e a vez do investimento” – e ousamos fazer, em 2007, o Plano De Aceleração do Crescimento (PAC) – estávamos mudando a lógica anterior. Antes disso não havia condições. No final de 2005, a situação estava muito difícil. Havia praticamente zero de margem de manobra, uma ofensiva violenta contra o governo e entrando numa conjuntural eleitoral. Era o pior dos mundos.
                     Revertemos esse quadro. Em 2006, começamos numa dinâmica virtuosa. A política de 2003, 2004 e 2005 só gerou frutos no início de 2006 e mostrou plenamente os resultados em 2007 quando lançamos todos os grandes programas.

Jorge Mattoso – Os resultados dos anos recentes têm relação, portanto, com as medidas iniciais?

Dilma – Sim, isso não caiu do céu. Não se pode dizer que tudo ocorreu, isoladamente, no ano de 2007. O que foi feito desde 2003 tem seus méritos, não foi fácil. Sem o que foi feito lá atrás, não teríamos base para avançar. O primeiro mandato do presidente Lula é precondição do segundo momento. Lembro-me quando não tínhamos dinheiro para nada, ou quando o tínhamos nos deparávamos como vencimento de uma dívida ou outro impedimento qualquer. O nível de contenção era absoluto. Melhorou em 2004, piorou em 2005 e, de 2006 em diante, começamos a ver crescer as reservas, inflação baixa e sob controle e, finalmente, a nossa margem fiscal começou a evoluir. Apesar do que dizem,  a melhor situação fiscal que tivemos na vida foi a de 2008, porque o PIB era alto, crescíamos de forma acelerada e os juros estavam caindo. Depois veio a crise. Em 2010, estamos retomando o cenário de 2008. Haverá uma queda significativa da dívida, um forte crescimento do PIB e muito mais inclusão social.
               É preciso enfatizar dois pontos daqueles movimentos estruturais. O primeiro é o desenvolvimento com distribuição de renda, tanto da renda das famílias como o da renda regional. O aspecto regional é muito importante. No Brasil, esse foi um fator que diminuiu o impacto da crise econômica mundial. O PIB do Nordeste não caiu na mesma proporção que o dos estados do Sul e do Sudeste, pois a economia nordestina está muito baseada no mercado interno.
               Outro ponto é que começamos a articular a universalização dos serviços públicos, algo que as economias desenvolvidas fizeram há muito tempo, mas que não se via no Brasil. O governo Lula realizou, inicialmente, um grande investimento para universalizar a energia elétrica, por meio do Programa Luz Para Todos. Em seguida, demos prioridade ao saneamento e agora definimos que a habitação também é um direito que precisa ser universalizado.
                    Nós conseguimos, enfim, promover a inclusão social e distribuição de renda com mobilidade social ascendente – porque na história do país, houve momentos de crescimento, mas sem grande mobilidade social. Invertemos o jogo: aquilo que ocorreu na ditadura, de forma descendente para grandes parcelas, agora ocorre de forma ascendente.

Final da Parte 1.

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