sexta-feira, 10 de setembro de 2010

“A economia e a vida sem a política?”

                                                                           Por:         Marcio Pochmann  (1)

“Não acredito nos economistas que dizem que a economia deve ser aplicada sem influência da política”.

Maria da Conceição Tavares.

     Nas aplicações dos conhecimentos em áreas das humanidades como economia e direito sobrevive o dogma que não se deve permitir a influência da política na descoberta e no processo de aplicação do conhecimento.

       Tratar o processo de pesquisa e da gestão da administração pública, aplicando o isolamento da política, é impossível, um fetiche que pouco contribui com o debate nacional e com o avanço da sociedade.

     Separar a visão diante do fato social ou do objeto de pesquisa ou do ato da decisão de implantar a política pública: a política.  Como o filosofo grego prelecionou na antiguidade “O ser humano é um animal político”.

        Vejamos um exemplo prático da influencia da política no ato da decisão, de quem exerce o poder da administração pública é exemplificado através do orçamento da Prefeitura de São Paulo, destinado à Secretaria do Trabalho:

* ano 2004 (último ano da gestão Marta Suplicy do PT), teve empenhados R$ 190 milhões gastos na Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento. 
* ano de 2008 (gestão Kassab), o orçamento  municipal previa R$ 137 milhões para a secretaria, mas menos de R$ 40 milhões foram gastos. 
* ano de 2009, destinava R$ 127 milhões, depois atualizados para R$ 130 milhões. Mas até 15 de dezembro apenas R$ 28 milhões haviam sido liquidados.
* ano de 2010, a previsão para a Secretaria do Trabalho é de somente R$ 103 milhões, porém, se prevalecer o empenho de 25% do total será gasto pouco mais de R$ 25 milhões neste ano.

      Tais dados comprovam que é a decisão da liderança política que elege prioridades e destina o gasto do recurso público para onde entende que será melhor para a sociedade.

      No caso da gestão Marta Suplicy, significativa parte do uso dos recursos públicos foram destinados às políticas de geração de emprego e renda, nas regiões mais vulneráveis à pobreza.

       O resultado desta decisão política alterou para melhor a vida de mais de 500 mil paulistanos, além de repercutir positivamente na vida social como no caso do bairro  Capão Redondo, onde, a criação de um centro comercial mais dinâmico e gerador de empregos, foram determinantes para queda dos índices da violência desta região de São Paulo.

     Certas lideranças políticas antes de tomar a decisão, olham para o ser humano.  Já outras lideranças políticas olham para as pontes e corte do gasto do serviço público.

      Na atualidade alguns economistas ainda defendem a crença de que o Estado não pode ser grande. Nem se pode gastar. A melhor decisão para suprir as demandas sociais e entregá-las para o mercado encontrar as soluções para as necessidades da sociedade.

     Outra consagrada premissa: é que a economia nacional deve, primeiro, crescer para depois ser divida entre os membros da sociedade. A antiga formula: fazer o bolo crescer primeiro para depois dividi-lo. 
  
    Mas o que verificamos, na realidade, é que um governo fraco e sem capacidade de atuação é ruim para a sociedade. Ao se esperar o crescimento do bolo para promover a divisão das riquezas da sociedade sem a interferência da liderança política, não haverá num tempo próximo, o bom atendimento da administração pública diante das demandas sociais.

    No enfrentamento da crise financeira internacional o Brasil foi um dos países menos afetados, em razão das decisões de ordem política do presidente Lula, quando manteve a política do aumento do salário mínimo, aumento das vagas para o ingresso de pessoas nos programas assistenciais e a rapidez no reconhecimento do direito à aposentadoria, dentre outras decisões administrativo-políticas nas áreas tributárias e na administração dos bancos públicos e privados.

   Um grande empresário quando decide levar adiante um novo empreendimento, considera e avalia a questão política. Ficar com a opinião isolada dos economistas, pode levar o empresário a sofrer. E, aí, surgir o mesmo sentimento gerado numa sociedade quando se menospreza a política e seus agentes: o arrependimento.  

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Eleição presidencial 2010! E os enroscos da oposição.

Na eleição presidencial no Brasil está se confirmado o favoritismo da candidata Dilma do Partido dos Trabalhadores, com os apoios dos partidos políticos que integram a aliança eleitoral e do presidente Lula.

De forma intuitiva somados a elementos objetivos, desde o ano passado, entendo que o cenário atual  seria a realidade deste instante, ou seja, a imensa possibilidade de vitória da Dilma.

O Brasil mudou para melhor - elemento objetivo - grande mobilidade social ascendente. E a maioria da sociedade vive com grande esperança em relação ao futuro e com mais oportunidades concretas no presente - elemento subjetivo. Bem como, o povo brasileiro resgatou um sentimento de auto-estima, o que é prazeiroso e, desse sentimento, não quer desembarcar - mais um elemento subjetivo. Esses elementos a sociedade os relaciona com a atuação do presidente Lula.

Dos elementos objetivos eleitorais favoráveis da candidatura do Partido dos Trabalhadores: 1) imensa aprovação e popularidade do presidente Lula; 2)  grande arco na aliança formada com grandes e médios partidos políticos; 3)  uma oposição sem discurso que empolgue e nem um modelo de país há sinalizar à sociedade da necessidade de mudança no rumo; 4) maior tempo da propaganda eleitoral; 5) fatos e dados para mostrar ao eleitorado nos campos: sociais e econômico; 6) rumo definido que a continuidade do governo do Lula  é importante, sendo que a agente da continuidade é a Dilma.

A oposição ao governo e ao Lula, contavam com três fatos para ganhar a eleição, são eles: 1) agravamento da crise financeira internacional; 2) o desastre da Dilma enquanto agente ativa da ação política; 3) as pesquisas eleitoral que durante todo o ano de 2009, colocavam a candidatura do PSDB, muito adiante que qualquer outra. A oposição contava com poucos trunfos. E arriscou contar com o imponderado, o que pode acontecer numa eleição: imponderável, neste ano de 2010 é probabilidade próximo a zero.

A crise financeira foi vencida por ações anti-cíclicas, desde do 1º trimestre de 2009, quando já sinalizava que o governo federal agiu com rapidez e eficiência. Quanto ao segundo fato - incapacidade Dilma, aqui, também, a oposição esqueceu de ponderar que Dilma foi ativista política e, recentemente, demonstrará enorme capacidade como administradora pública, logo, pouco provável que seria um desastre como agente ativa da política. Ainda mais que, Dilma conta com as lições do fenômeno Lula e - goste ou não, o eventual leitor - conta também com o Partido dos Trabalhadores que possui a maior militância do país dentre os partidos políticos. E, o terceiro trunfo - dianteira nas pesquisas eleitorais - equívoco de leitura e desprezo diante das fases que compõem o processo de uma eleição. A dianteira ocupada por Serra, durante o ano de 2009, foi motivada pela singela razão que se tratava mais demonstração de reconhecimento de nome, por parte do eleitor, do que  intenção de dar o voto.

Para contribuir mais com a Dilma, os partidos da oposição, principalmente o PSDB  criou e passou a conviver com problemas, que não foram superados até o momento presente, são eles: 1) A convivência entre os serristas e os alckmistas; 2) a relação do Serra com Aécio na questão da consulta interna de quem seria o candidato a presidente; 3) a desastrada escolha do vice - Arruda, Alvaro Dias e depois alguém sem expressão nacional para ocupar o cargo de vice-presidente; 4) ausência de um programa de governo para apresentar a sociedade que a empolgasse; 5) ausência do que mostrar como realização de política pública à sociedade nacional para convence-la de que mudar era a melhor alternativa.

Ou seja, a oposição entrou na disputa eleitoral fragilíssima e com diversas fissuras para tratar, desde a boa convivência entre os agentes políticos até a existência de poucos fatores positivos, sejam eles: imaginários e concretos.

Evidente que não foram somente esses os erros da oposição, dentre outros: a crença de que a grande mídia é decisiva na formação da opinião popular; 2) subestimar os avanços do governo Lula e a capacidade de transferir prestígio que tem o presidente; 3) trilhar um caminho repleto de sombras e de atos de politicagem até mesmo a tentativa de judiciliazação da campanha eleitoral.

Sem paixões, a probabilidade maior hoje é a eleição ser decidida no 1º turno, com a vitória da Dilma e dos partidos aliados. Se não for encerrada no dia 3 de outubro e o 2º turno acontecer, o resultado será semelhante ao da eleição presidencial de 2006. Quando Lula não ganhou no 1º turno, por ínfima percentagem dos votos válidos, e se consagrou no 2º turno, impondo ao seu adversário um resultado menor que ele obteve no 1º turno.

Defendo a premissa de que a oposição política é salutar na vida de qualquer país, seja ela do tamanho que for, pois é à partir de sua existência e da sua capacidade de mostrar erros e/ou abusos, além de propor alternativas factíveis é que a sociedade reflete sobre a política. Infelizmente, hoje é durante o processo eleitoral que a maioria da sociedade pensa e reflete sobre tema de elevada importância da vida em sociedade: a política.

Os maiores enroscos das pessoas que se encontram na oposição política são dois. O primeiro é essencial: aprender a ser de fato oposição e o segundo é sobreviver sem politicagem por mais 4 anos, até 2014, porque esta de 2010 está definida, exceto, se o mundo desabar sobre as cabeças de Dilma e Lula, ou seja, pouco provável.



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sábado, 10 de julho de 2010

Para onde vai São Paulo?

Por Marcio Pochmann

A estabilidade monetária alcançada a partir do Plano Real, em 1994, abriu nova perspectiva para que o Estado de São Paulo voltasse a protagonizar novo ciclo de expansão econômica e social, já que respondia por quase 37% da população ocupada não pobre do país. Para isso, contudo, deveria impulsionar, em bases inovadoras, a sua estrutura produtiva, especialmente industrial, com a finalidade de potencializar o avanço das fontes contemporâneas de riqueza, cada vez mais presentes no interior do setor terciário da economia.
Esse processo de modernização constituiria peça fundamental na promoção e difusão do conhecimento, ou seja, a educação, as tecnologias de informação e comunicação e o trabalho imaterial como o esteio central da geração da riqueza e do bem-estar social.
Paralelamente, o esforço governamental voltado à expansão e integração da infraestrutura urbana e social poderia estimular decisivamente a economia de serviços para o crescente atendimento da demanda interna e externa. As decisões governamentais que poderiam operar como faróis a iluminar o futuro foram sendo transformadas em lanternas de freio a clarear o passado.
Pelas informações geradas pelo IBGE para a contabilidade dos Estados brasileiros, verifica-se o retrocesso paulista na fase recente da estabilidade monetária alcançada pelo país. O setor industrial paulista regrediu de 43% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional em 1996 para menos de 35% em 2007.
No mesmo sentido, o setor da construção civil teve sua participação relativa diminuída de 37% para 27% no mesmo período de tempo, assim como no caso do setor produtor e distribuidor de eletricidade e gás, de água e esgoto e de limpeza (de 45% para 27%); do comércio (de 41% para 33%); da administração pública (de 21% para 19%); e de serviços (de 35% para 34%).
Apesar dessas quedas relativas na participação econômica do Estado de São Paulo na produção nacional, percebe-se que houve crescimento do peso paulista em outros setores, não necessariamente estimulantes em termos da construção exitosa do seu futuro.
O setor da agropecuária ampliou sua participação de 8,6%, em 1996, para 11,7%, em 2007, e o de intermediação financeira teve ampliação de 49,9% para 51,4% no mesmo período de tempo. Mesmo reconhecendo a importância dos setores agropecuários e financeiros, sabe-se que eles não são suficientes para contribuir decisivamente na construção de uma sociedade superior.
O que se verifica, inclusive, são sinais de decadência, com a queda da importância relativa de São Paulo na economia nacional, de quase 36% em 1996 para 33% em 2007, e a queda da importância paulista no conjunto da população brasileira não pobre, de 37% para menos de 32%. Ademais, observa-se que as escolhas governamentais mais recentes apostam mais no passado do que no futuro.
Em geral, a trajetória do desenvolvimento capitalista tem sido a evolução da sociedade agrária para a sociedade urbano-industrial, e desta para a pós-industrial.
No caso paulista, entretanto, constata-se a sinalização de interrupção na passagem da sociedade industrial para o pós-industrial, com importante retorno ao velho agrarismo.
O setor agropecuário gera riqueza empregando cada vez menos mão de obra, enquanto a intermediação financeira opera com crescente tecnologia de informação poupadora de força de trabalho, o que compromete o futuro de inclusão e coesão social paulista.

sábado, 5 de junho de 2010

Segurança Pública

O tema da segurança pública é clamor expressivo e forte da sociedade em direção dos governantes.

Esta política pública enfrenta um debate teórico entre duas principais correntes de pensamento. A primeira entende que é preciso multiplicar recursos financeiros e materiais, bem como, o aparato policial e prisional além das mudanças legislativas que endureçam a punição do infrator. Já a segunda corrente entende que o fato social merece ser enfrentado de forma multidisciplinar, ou seja, além da capacidade de investigar, inibir e punir, outras políticas públicas como: trabalho, educação e saúde, são necessárias para se coibir e diminuir à violência e atos criminosos na sociedade.

Como aumentar o efetivo policial com salários dignos, aparelhos de investigação e condições humanas de manter o infrator no sistema de reclusão? Este é o grande desafio dos governantes. Uma decisão que deve ser compartilhada com a sociedade, pois tiramos dinheiro de outra política pública: saúde ou educação?

Uma alternativa é o aumento dos impostos ou a criação de um novo imposto da segurança ou instituir uma taxa mensal para os que ganham acima de 10 salários mínimos. Mas falar em criação de imposto é um debate que deseja a sociedade? Penso que não, a sociedade quer o serviço público de qualidade. Os ricos pagam empresas de segurança privadas, se protegem em condomínios fechados, investem nos sistemas eletrônicos de vigilância e reclamam do trabalho da segurança pública. Preferem pagar para receber os serviços da empresa privada que ao Estado brasileiro.

Minha visão e algumas idéias sobre o tema são as seguintes:

A 1ª ação é garantir salários elevados equiparados a magistratura e cessão de benefícios a todos os quadros: policial e penitenciário, de forma que não se aceite qualquer transgressão disciplinar ou legal. Sem este primeiro gesto o sistema de segurança publica será sempre fraco e vulnerável. Uma vez constituída a unidade do aparato policial e as condições de manutenção do policial e da sua família, impor pena acima dos 20 anos de reclusão para qualquer nível do aparelho policial que transgrida a lei. Bons salários e benefícios e penas que inibam a transgressão é o primeiro ato concreto para impor um novo modelo de segurança pública.

A segunda ação é obrigar e até mesmo co-responsabilizar as instituições financeiras a acompanhar e monitorar os movimentos financeiros que não estejam acompanhados de declaração de renda e outras exigências em relação ao correntista.

A terceira medida é o entendimento das causas da violência no século XXI e o combate. Convicto de que as desigualdades sociais e um Estado que despreza grande parcela da população são causas que somados a outros elementos, tal como o exagerado preconceito da sociedade e o excesso de consumismo. Agravam a violência e aumentam a criminalidade na sociedade.

O quarto ponto é o combate firme e constante contra o contrabando de armas de fogo, crimes financeiros, crimes contra a administração pública e o desvio de recursos públicos.

Quinta medida é o atendimento ampliado e privilegiado a juventude nos aspectos educacionais, trabalho, saúde e lazer.

A sexta providência é uma justiça criminal ágil, eficaz e que puna efetivamente qualquer cidadão independente da classe social, cor, opção sexual ou religiosa, além de inibir o desrespeito aos direitos humanos.

A transferência do problema da droga para o setor da saúde pública é a sétima ação e polêmica.

A decisão oitava é a ocupação constante e cidadã por parte do Estado nas regiões de maior ocorrência de episódios de violência.

Nona ação é o acompanhamento e apoio ao egresso do sistema prisional, também o apoio e acompanhamento da família do recluso durante o cumprimento da pena.

Esta 10ª medida também polêmica trata da descriminalização de condutas onde inexistam a violência ou grave ameaça a vida humana. Impondo as transgressões das leis penas de trabalho social e de cunho econômico.

Medida 11 efetivar a opção pelo uso das atividades policiais nos setores de inteligência e ostensivo além da unificação das policias e um tempo menor para o trabalho ostensivo policial.


12ª ação alterar o Código de Processo Penal eliminando o instrumento do inquérito policial, a permanência do plantão policial com membros da magistratura, ministério público e advogados, humanização do sistema penitenciário que eleve a possibilidade de reeducação - eliminando a cela coletiva e promoção de atividades educacionais e profissionais.


A 13ª providencia é a Inclusão das matérias na grade curricular das escolas públicas e privadas relacionadas que iniba à violência e desmistifique a criminalidade, além de ampliar  a jornada de tempo integral para todos os estudantes do país.

A implantação destas 13 ações não revolucionará o setor da segurança pública, certamente. Mas influenciará e alcançará  resultados positivos num curto espaço de tempo, minimizando sobremaneira o reclamo social, com a conseqüente queda da violência e da criminalidade.

Idéias não faltam, às vezes, o que falta é a coragem e o dinheiro para os governantes realizarem algumas delas.  Mas também cabe a sociedade promover o debate para encontrar alternativa de onde sairão os recursos financeiros para investir no setor da segurança pública e qual o modelo que desejamos para essa atividade exclusiva do Estado. 


Em pleno século XXI a sociedade acumula conhecimento, experiência e condições de atenuar a violência e a criminalidade. Para tanto sociedade e governo devem promover um pacto para enfrentar a realidade. A responsabilidade é de toda a sociedade e instituições, neste instante é pouco correto atribuir só ao Estado esta tarefa.


Para consolidar a liderança dos pequenos negócios


Marcio Pochmann[1]
A contribuição dos pequenos negócios no desenvolvimento brasileiro não se mostra desprezível, tampouco tende a perder importância na perspectiva de seu longo prazo. Mesmo que a aceleração atual do movimento de concentração patrimonial imposto por operações de fusões e aquisições faça surgir gigantescas corporações nacionais e internacionais, o papel dos micro e pequenos empreendimentos não tende a ser diminuído.
Isso porque, as novas formas de organização da produção de bens e serviços estabelecem maiores conexões entre grandes e pequenos empreendimentos, exigindo, por sua vez, modernização contínua e específica aos distintos tamanhos empresariais. De parte das grandes empresas há maior facilidade de usar do seu poder de mercado para auferir maiores benefícios da estrutura existente de apoio à produção, bem como das medidas de política econômica e social.
O mesmo não se pode dizer do conjunto dos pequenos negócios. Inicialmente porque se trata de um segmento submetido à significativa dispersão geográfica e setorial e à intensa instabilidade concorrencial, o que torna mais complexa a organização dos interesses e de sua representação na formulação da agenda governamental.
Posteriormente, porque as limitações existentes à produção de bens e serviços nos pequenos negócios terminam sendo ampliadas pelos constrangimentos de acesso às políticas públicas (fiscais, creditícias, tecnológicas, trabalhistas, entre outras). Historicamente, a organização do Estado no Brasil se deu muito mais voltada às exigências dos grandes empreendimentos, conforme se pode verificar desde o surgimento da grande empresa agromercantil na exploração da cana-de-açúcar na região Nordeste a partir do século 16.
De lá para cá, poucos avanços correram em termos de privilegiar o segmento dos micro e pequenos empreendimentos. Somente mais recentemente podem-se destacar alguns eventos que contradizem a trajetória do estado em relação à complexidade do mundo dos pequenos negócios, a começar pela importante transformação constituída por meio do SEBRAE, após as iniciativas pontuais de políticas públicas iniciadas ainda na década de 1970.
No campo tributário e creditício também há registros de experiências interessantes que buscaram atender algumas das especificidades que fazem parte da complexidade da produção e distribuição de bens e serviços no âmbito dos pequenos negócios. As ações governamentais por meio do Simples em termos fiscais e do financiamento por meio do microcrédito identificam mais do que mera intenções programáticas de apoio aos micro e pequenos empreendimentos.
Isso tudo se acoplou ainda mais ao consistente trabalho que o SEBRAE realiza juntamente com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e, adicionalmente, aos esforços mais recentes de apoiar às cooperativas por meio da Secretaria Nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho e Emprego. Todas essas ações terminaram convergindo para a necessidade de haver uma legislação que estivesse á altura da dimensão e complexidade de todos os pequenos negócios no país, o que redundando na aprovação da Lei Geral da Micro e Pequena Empresa.
A Lei Geral representou de um grande esforço político de mobilização de diversos segmentos da sociedade em atenção às necessidades e ao potencial dos micro e pequenos empreendimentos. Noutras palavras, a formatação de um novo arcabouço legal necessário à reorganização do Estado para a tarefa de tratamento compatível e especial ao setor econômico que responde pela maior parte da geração e difusão de oportunidades no Brasil.
Mas tudo isso não está ainda pronto e acabado. A Lei Geral tem o mérito de não ser algo pronto e acabado, mas de uma construção dinâmica em que precisam participar diferentes segmentos da sociedade. Do legislativo e executivo municipal nas três esferas da República ao envolvimento dos próprios empreendedores, ou seja, empregadores e trabalhadores por conta própria, cooperados e empregados.
As oportunidades abertas pela Lei Geral são inovadoras e inquestionavelmente modernizantes da relação do estado para o segmento dos pequenos negócios. O fortalecimento depende do êxito pleno de sua implementação, cujos impactos, ainda que recentes, apresentam-se inegáveis, com a ampliação e melhora das condições de trabalho, bem como a elevação dos rendimentos médios dos ocupados. 
A Lei Geral de Micro e Pequenas Empresas constitui mais uma conquista do segmento de empreendedores. Ela representa uma peça fundamental do quadro mais amplo que as políticas públicas precisam avançar em prol da consolidação dos pequenos negócios no Brasil.


[1] Professor licenciado do Instituto de Economia e do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). 

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Será que você é mesmo Alice?

Por Arnobio Rocha
http://arnobiorocha.wordpress.com



 
                   A estória de Alice no país das maravilhas, ou melhor, a versão desta feita por Tim Burton tem suscitado polêmica sobre a qualidade do filme, da decepção causada devida à grande expectativa criada, desde quando se anunciou o filme. Gostei muito do filme, contrariando opiniões de amigos que viram e acharam-no fraco, sem roteiro, sem nexo e para algum enfadonho. Resolvi escrever algumas idéias sobre a obra.
                  A pergunta que se repete em todo o filme é esta: “Será que você é mesmo Alice?” é sem dúvida o caminho para ver com outros olhos a pequena grande ousadia do filme: fazer Alice sem ser Alice, usar os elementos de Alice e fazer outra Alice. Esta jogada de frases e imagens que constroem e desconstroem a obra de Alice é mensagem fundamental que consegui tirar do filme.
Para mim há três níveis em no filme sobre Alice:

(1) Rito iniciático clássico;
(2) Psique Menina/Mulher;
(3) Produção onírica;

                 Este conjunto é extremamente bem desenhado nas imagens de 3D, muito bem encaixadas para cada nível, o jogo das cores, as mudanças de conduta e atitude dos personagens e a variação das cores formam um todo que, a meu ver são grandiosos. Entrando em cada nível teremos a compreensão da obra:
  1. Rito iniciático clássico


                Alice tem sua Catábase, ou catábasis (κατὰ do grego, “para baixo” βαίνω “ir”) é uma descida de algum tipo. Catábase pode ser um movimento para baixo, um afundamento de ventos, um recuo militar, ou uma viagem ao submundo. Pode significar também uma viagem do interior de um país ao longo da costa, e tem significados relacionados com a poesia, a retórica e a psicologia moderna(Definição Wikipédia baseada na psicologia).
                Nos ritos iniciáticos gregos antigos a necessidade de se descer a outro mundo é compreendido como a necessidade de romper com um estágio de vida, não apenas na idade, mas fundamentalmente psicológica. Os ritos de Eleusis que foram sufocados pela religião cristã, era exatamente esta passagem.      Notadamente estes ritos são relacionados aos homens, mas os mistérios de Eleusis eram compreendidos também às mulheres. O que nos sobra são os fragmentos destes ritos na peças “As Bacantes”.
               Em outras culturas, como na judaica, homens têm seu Bar-Mitsvá aos 13 anos, passando de criança à Homem. As meninas se comprometem com Mitsvot aos 12 anos, relacionado com a Menarca (primeira menstruação), deixando de ser criança e virando Mulher.
Parece claro que a descida que Alice faz antes de aceitar ou não seu pedido de casamento com o rico asqueroso que lhe “compraria” a garantia de não ficar solteira, para ser apenas titia. Neste momento, ela, aos 19 anos, é posta à prova quando deve romper com seu mundo infanto-juvenil e virar mulher. Sua descida ao infernum (termo latim para mundo inferior) é um ato claro de revisão de vida.
             As imagens são a combinação de alegria e apreensão, medo e felicidade, revisitar personagens que convivem com ela desde a tenra idade, e este sempre a lhe perguntar: Será que você é mesmo Alice?

2. Psique Menina/Mulher



              Aqui entra a segunda parte do mesmo mito, a psique feminina. Tim Burton faz um filme de um universo feminino com grande sensibilidade, Alice vai oscilar entre A rainha vermelha e a branca, entre o Sexo, luxúria (vermelha) e a inocência, candura (branca). Por ambas ela será querida, a porção menina fala mais alto, a principio. Mas ambas propõe que ela mate seu dragão, a vermelha tenta lhe seduzir na convivência, porque ela detém o dragão, é mais sutil, pois tem certeza que logo ela será Mulher.
             Já a rainha branca deixa-lhe claro, ela tem que matar seu dragão, libertar a si mesma. Alice vacila, tem repulsa a matar, questiona-se por que deve fazê-lo. Mas intimamente sabe que deve ser assim, e na última hora tem o significativo encontro com Absalem, a lagartixa, esta em transformação e mostra-lhe que TODOS deixam um corpo para ser outro, é a metamorfose natural da vida e da cabeça.
            A luta é saída natural, a frágil menina é posta frente a frente com o dragão e tem que descobrir dentro de si como matá-lo, por mais improvável que seja ela o mata, a imagem é grandiosa, muito didática, bem construída.
            A reflexão anterior à luta, os propósitos de menina, e depois o amadurecimento de mulher são evidentes, mais ainda o diálogo final dela com o chapeleiro, sua última reminiscência, pergunta-lhe se não quer ficar neste “mundo”? Óbvio que depois de matar o dragão não há mais volta.

3. Produção onírica;


            Talvez a grande crítica ao filme seja a questão do roteiro, que não há humor ou ação, que o andamento é caótico, não tem lógica e por ai desfiam-se as reclamações. Para esta questão, caberia perguntar: existe ordem nos sonhos? Controla-se o que se deve sonhar, como acontecer cada coisa?
           O filme é baseado em Alice, mas não é Alice, está claro desde o início é um sonho, uma produção onírica, que o compromisso com a “realidade” é puramente circunstancial. As imagens, as viagens ao submundo da psique de Alice, seus monstros e seus objetos de desejos estão lá, envoltas em névoas psicodélicas.
           A dificuldade de entender esta dinâmica do filme, talvez nos leve a menosprezar a grandeza da obra, ou nos contentarmos apenas com um ou outro aspecto da produção.
           As fantásticas imagens em 3D nos levam ao mundo dos sonhos, diretamente à mente daquela jovem, que por acaso se chama Alice, mas que pode ser que não seja Alice.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A difícil transição paulista

Por Marcio Pochmann


          QUANDO SE completa a primeira década do século 21, o Estado de São Paulo demonstra viver um de seus maiores desafios históricos, qual seja, o de continuar sendo a locomotiva econômica que dirige o país. Na perspectiva recente, isso parece estar comprometido diante de importantes sintomas de decadência antecipada.
           Entre 1990 e 2005, por exemplo, o Estado paulista registrou o segundo pior desempenho em termos de dinamismo econômico nacional, somente superando o Rio de Janeiro, último colocado entre os desempenhos das 27 unidades da Federação.
          Atualmente, o Estado paulista responde por menos de um terço da ocupação industrial nacional -na década de 1980, era responsável por mais de dois quintos dos postos de trabalho em manufatura.
         Simultaneamente, concentra significativo contingente de desempregados, com abrigo de um quarto de toda mão de obra excedente do país -há três décadas registrava somente um quinto dos brasileiros sem trabalho.
           Em consequência, percebe-se a perda de importância relativa no total da ocupação nacional, que decaiu de um quinto para um quarto na virada do século passado para o presente.
           Se projetada no tempo, essa situação pode se tornar ainda mais grave, com São Paulo chegando a responder por menos de 20% da ocupação nacional, por um terço de todos os desempregados e apenas por um quinto do emprego industrial brasileiro no início da terceira década do século 21.
          Essa trajetória pode ser perfeitamente revertida, uma vez que não há obstáculo econômico sem superação.
           A resposta paulista, contudo, precisaria vir da montagem de uma estratégia inovadora e de longo prazo que não seja a mera repetição do passado.
         Na visão da antiga oligarquia paulista, governar seria fundamentalmente abrir estradas, o que permitiria ocupar o novo espaço com o natural progresso econômico. Por muito tempo, o Estado pôde se privilegiar dos largos investimentos governamentais em infraestrutura, o que permitiu transitar das grandes fazendas produtoras e exportadoras de café no século 19 para o imenso e diversificado complexo industrial do século 20.
          Em apenas duas décadas, o Estado paulista rebaixou a concentração de quase dois terços de sua mão de obra no setor primário para menos de um terço, dando lugar ao rápido crescimento do seu proletariado industrial.
         Com isso, a ocupação em manufatura convergiu para São Paulo, passando a representar 40% de todos os empregos industriais do país na década de 1960, contra um quarto em 1940.
          Em virtude disso, o protagonismo paulista reverberou nacionalmente por meio do ideário de que seria a locomotiva a liderar economicamente o Brasil grande. Tanto que não era incomum à época que as lideranças de outros Estados sonhassem com a possibilidade de repetir o caminho paulista. O principal exemplo se deu com a implantação de uma "mini-São Paulo" no meio da Floresta Amazônica, por intermédio da exitosa implantação da Zona Franca de Manaus.
          Para as décadas vindouras, o futuro tende a exigir a ampliação predominante do trabalho imaterial, cujo principal ativo é o conhecimento.
          Não significa dizer que as bases do trabalho material (agropecuária e indústria) deixem de ser importantes, pois é estratégico o fortalecimento das novas fontes a protagonizar o dinamismo econômico do século 21.
          Se houver força política nesse sentido, o Estado de São Paulo poderá transitar para a continuidade da condição de liderança econômica da nação, passando a responder por 40% do total do trabalho imaterial do país.
          Os esforços de transformação são inegáveis, pois, além da necessária oxigenação de suas instituições, os próximos governos precisariam inverter suas prioridades, com a adoção, por exemplo, de um gigantesco e revolucionário sistema educacional que assegure as condições necessárias do acesso de todos ao ensino, do básico ao superior, ademais da educação para a vida toda e com qualidade.
          Na sociedade do conhecimento em construção, a liderança econômica não surgirá da reprodução de sistemas de ensino comprometidos com o passado, tampouco de relações governamentais com profissionais da educação compatíveis com o século 19.
         Ainda há tempo para mudanças contemporâneas, sobretudo quando a política pública é capaz de romper com o governo das ideias ultrapassadas. Sem isso, o fantasma da decadência reaparece, fazendo relembrar as fases de liderança econômica de Pernambuco durante a colônia e do Rio de Janeiro no império.