segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Gestão do terceiro setor na sociedade contemporânea


Por: Natália Cristine Sales do Prado

            A gestão de organizações sem fins lucrativos, que ocupam o espaço do chamado Terceiro Setor ou Setor Público Não Estatal são definidas a partir de regras estruturantes contidas no aparelho do Estado, estando diretamente vinculadas aos direitos coletivos e regulados para a gestão destas entidades.

            A estrutura organizacional do orçamento brasileiro é baseada no orçamento/programa, enquanto que a gestão de entidades sem fins lucrativos é realizada por projetos. Os repasses são realizados através de convênios, para entes e entidades.

            A sociedade é formada pelo multiculturalismo e pluralismo. Sua estrutura política é formada pelo Direito (accoutability e advocacy), além do Direito de livre associação. O Estado é composto por: povo, território, organização, politização e judicialização. Há um conjunto de leis, fontes jurídicas, casos de fatos, normas e valores que são instrumentos para redução da complexidade social.

            No contexto histórico brasileiro, o processo descentralização, na qual o Estado deixa seu papel de provedor para regulador de bens e serviços para sociedade é considerada como a janela de oportunidade que permitiu a criação em larga escala de diferentes Associações e Fundações.

            O Código Civil regulamenta todo tipo de documentação probatória para qualificação da Organização Social (OS) e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), já que,  organizações do Terceiro Setor podem assumir a forma jurídica de sociedades civis ou associações civis ou, ainda, fundações de direito privado.

            Há quatro tipos de controle existentes para as atividades do Terceiro Setor: Conselho Administrativo destas Entidades e Fundações, o Poder Legislativo, Sociedade e Tribunais de Contas. Assim, as fiscalizações dos repasses públicos possuem diferentes mecanismos para que ocorra fiscalização operacional, orçamentária, patrimonial e contábil.

            A contabilidade de uma organização deve apresentar ao final de cada exercício déficit ou superávit, sendo que este no caso deste último, todo valor deve ser reinvestido em novos projetos da entidade.

            Por fim, é inegável o papel do Terceiro Setor que, ao participar de editais apresentando projetos e posteriormente atuando em diferentes setores públicos, auxiliam na implementação de políticas públicas. Entretanto não se deve esquecer que, a prática de boa governança é resultante de ações cooperativas, envolvendo diferentes atores que possuam uma sinergia capaz de serem agentes transformadores para garantir a eficiência, eficácia e efetividade social.



Autora: Natália Cristine Sales do Prado
Discente Curso de Gestão de Políticas Públicas
EACH – Escola de Artes, Ciências Humanidades
Universidade de São Paulo
Artigo publicado para conclusão da Disciplina profissionalizante/prática/optativa Gestão de Organizações sem Fins Lucrativos ministrada pelo Docente Prof. Bel. MSc. Dr. Marcelo Arno Nerling , segundo semestre de 2011.

O perigo do poder legitimado


Universidade de São Paulo
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Gestão de Políticas Públicas
Direito, Cidadania e Gestão de Políticas Públicas – Prof° Marcelo Nerling
Guthiê Miranda- 6409480



Não é de hoje que as terras tupiniquins são marcadas pelo intenso jogo de poder e por características coronelistas. Nos tempos passados não havia cidadania, aqueles que conquistavam ou herdavam algum tipo de poder político faziam as regras do jogo. O direito, apesar de legitimar o poder a estes indivíduos, não estava atrelado ao sentido de cidadania concebido atualmente, que é a garantia dos direitos políticos e atuação na formação e participação nos governos. Veremos, porém, que esta garantia não é tudo, pois a eleição de representantes, nos moldes constitucionais do Brasil acaba por legitimar poder político individual a estes representantes. O crescimento surpreendente da utilização de mecanismos e “brechas’ constitucionais como as medidas provisórias é um absurdo, demonstrando que nem sempre democracia garante cidadania”.
A utilização do direito como ferramenta para o controle social e garantia de processos de participação social é fundamental para garantir que a sociedade não perca o poder decisório. Assim é essencial que seja elaborada medidas constitucionais que coíbam ações particulares e sem a participação social. É fundamental também que a constituição procure agregar e legitimar o poder de cada cidadão não somente na hora do voto, mas sim em mais etapas de uma decisão política. Somos mais do que um voto, somos a consciência do coletivo, somos cidadãos, somos atores sociais.
Neste sentido o direito adquire um caráter de políticas públicas, ou seja, um caráter de prestação de serviço público à medida que contribui para a gestão do sistema governamental e é capaz de envolver diversos atores sociais legitimados na resolução de um mesmo problema. Podemos assim dizer que o direito não somente contribui, mas garante e legitima a cidadania, ou seja, o direito a, no mínimo, buscar alterar a nossa realidade através da minha participação. 

domingo, 25 de setembro de 2011

Se faltar água e pão começa a confusão.

Na casa em que falta o pão é uma casa onde sai confusão. Um exemplo do que a falta de comida e água pode gerar no futuro - uma grande confusão.

Penso que, um homem que tenha por obrigação sustentar a família e não ganha o suficiente para a manutenção dela, fica mais vulnerável a praticar atos agressivos. O extinto da sobrevivência fala mais alto e impulsiona o corpo e a mente na direção do comportamento agressivo.

E quando quem tem a obrigação de sustentar as pessoas é um país? Incide o extinto de sobrevivência? Quando a comida e a água faltam para uma sociedade. Os líderes do país decidem no rumo da  guerra?

Um confronto silencioso por momentos, um receio de enfrentar o dilema que acontece na vida da sociedade mundial. O qual ainda não foi ou é objeto de consenso acadêmico e, antes disso mesmo, um profundo debate teórico sobre as seguintes questões: - É a ciência social ou ciência médica que mais influencia e determina o comportamento humano?   Ciência Social é uma ciência real? Qual é a teoria geral da ciência social? 


Séculos de existência da vida humana em sociedade, com influências da religião, filosofia, contrato social de convivência, democracia, enfim, diversas razões para chegarmos no Século 21, sem demonstração da ganância, ódio e preconceito. Onde estamos errando?





sábado, 24 de setembro de 2011

"Quem sabe faz a hora. Não espera acontecer"




             Em Brasília, em 04 de setembro de 2011, foi realizado o 4º Congresso Extraordinário do PT.

                 Dentre diversas decisões políticas, destaco a seguintes:

            “Para atingir estes objetivos, é preciso enfrentar e superar obstáculos muito difíceis, entre os quais se destacam os impactos deletérios da     crise internacional do capitalismo neoliberal; a influência do pensamento conservador nos meios de comunicação; a corrupção que degenera o sistema político brasileiro; a regressividade do sistema tributário e seus impactos nas políticas públicas; a influência que a especulação financeira segue tendo sobre a economia nacional”.

.......

         “Outro desafio a vencer é o da realização da reforma tributária, que, como a reforma agrária, tem sua viabilidade até aqui impedida pelas elites ricas. Ela deve contemplar o princípio da progressividade dos tributos sobre a renda, aumentando a taxação sobre as fortunas, sobre as heranças, e sobre os lucros, freando a especulação financeira, fortalecendo a produção, desonerando a cesta básica, e facilitando a formalização do trabalho. A reforma tributária deve igualmente combater a guerra fiscal, que transfere recursos públicos ao capital”.


             O Parecer de Observação nº 01, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CEDS, da Presidência da República, em 4 de junho de 2009, publica o seguinte:


            “1) a injustiça e a regressividade do sistema tributário nacional, em que as camadas mais pobres da sociedade pagam proporcionalmente mais impostos; 2) a falta de visibilidade sobre os impostos pagos plo cidadão aos fiscos federais, estaduais e municipais, dificultando o exercício da cidadania; 3) a insuficiência de recursos para investimentos públicos em áreas como educação, saúde, segurança pública, habitação e saneamento, essenciais para o bem estar coletivo; 4) a persistência de distorções significativas na incidência dos impostos sobre as empresas, influenciando negativamente as decisões sobre investimentos e geração de empregos; 5) a injustiça na distribuição de recursos fiscais na federação, expressa na distância entre o orçamento per capita dos municípios mais pobres em relação aos mais ricos”.

               Diversos estudos do IPEA demonstraram que os gastos dos recursos públicos nas áreas sociais, contribuíram sobremaneira para garantir a estabilidade econômica e a geração de empregos no país. O que promoveu a passagem pela crise financeira internacional, com tranqüilidade e sem grandes reflexos negativos no meio da sociedade, como aconteceu em outros países: desemprego, queda de renda, corte na concessão de crédito e mais pobreza.

           Então eu pergunto quando é que o Partido dos Trabalhadores apresentará a sociedade uma proposta geral e pontual de reforma do sistema tributário?

            Se a Constituição Federal de 1988 estabelece entre os artigos 145 a 162 e desses destaco: Princípio da capacidade tributária - os impostos serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. (Art.145, §1º da CF).; Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), é um imposto brasileiro. É um imposto federal, ou seja, somente a União tem competência para instituí-lo (Art.153, VII, da Constituição Federal).

          Por que não colocamos como prioridade a Lei complementar que regula a tributação sobre as grandes fortunas? Ou seja, 23 anos passaram sem o Estado brasileiro tributar as grandes fortunas. Será que vivemos num país onde a maior parte da população é tão afortunada que não apóia a aprovação da lei complementar? Ou os pobres do país desconhecem essa situação?

               Por que não acabamos com a regressividade do sistema tributário? O que deve ser é: paga mais tributo as pessoas que ganham mais dinheiro e renda e as que mais consomem quaisquer tipos de bens materiais e imateriais. É o que prevê a Constituição Federal no princípio da capacidade tributária de acordo com o tipo de contribuinte: o que ganha e o quanto consome de bens material e imaterial.

          A Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, estabelece o seguinte:

Art. 153. ....................................
....................................
§ 4º O imposto previsto no inciso VI do caput:

I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas;

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             Trata-se da tributação  da propriedade rural, o famoso ITR, contudo, num país de dimensão continental. A verdade é que o ITR é insignificante na base da arrecadação do governo federal. O que é uma distorção que merece e precisa ser enfrentada pela sociedade e pelo PT. Tornar o ITR um tributo de respeito é proporcionar uma reforma agrária indireta.

            É da responsabilidade dos parlamentares do Partido dos Trabalhadores e da sociedade civil organizada, se mobilizarem para o enfrentamento da reforma do sistema tributário nacional. Modificado-o para o bem da maior parcela da sociedade, para que os governos tenham mais recursos financeiros para aplicarem nas políticas sociais e se corrija as distorções do sistema, pois não gera a equidade e nem atendem todas as demandas da sociedade.



sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O Estado e seus desafios na construção do desenvolvimento brasileiro


                                                                                              Texto original publicado Carta Maior

Após 25 anos de consolidação do regime democrático, o Brasil parece constituir esforços importantes rumo ao projeto nacional de desenvolvimento. Ademais do obstáculo de consagrar uma nova maioria política que ouse mais na direção da transformação da crise mundial atual como oportunidade de maior reposicionamento do país no mundo, cabe ainda a árdua tarefa da refundação do Estado sob novas bases. Três podem ser seus eixos estruturantes:reorganização administrativa e institucional, ampliação das políticas distributivas para as redistributivas e reinvenção do mercado, tendo em vista o poder dos grandes grupos econômicos sobre o Estado. O artigo é de Márcio Pochmann, no n° 15 da revista Margem Esquerda, da Boitempo.

O sistema capitalista revela em suas crises periódicas momentos especiais de profunda reestruturação. São oportunidades históricas em que velhas formas de valorização do capital sinalizam esgotamentos, enquanto novas formas ainda não se apresentam plenamente maduras no centro dinâmico do mundo. Nessas circunstâncias, nada mais apropriado para países periféricos do que considerar as possibilidades reais e efetivas de assumir algum grau de protagonismo, até então impossibilitado pela antiga divisão hierárquica do poder mundial.

O Brasil, em especial, mostrou condições de aproveitar oportunidades históricas geradas durante momentos de profundas crises e de reestruturação capitalista mundial. Na Grande Depressão capitalista ocorrida entre 1873 e 1896, houve a sequência de um conjunto de reformas anteriormente reivindicadas. Destacam-se, por exemplo, a reforma eleitoral de 1881, que ampliou a representação nas províncias, a reforma trabalhista de 1888, que aboliu o trabalho escravo, a reforma política de 1889, que acompanhou a implantação da República, e a reforma jurídica estabelecida pela Constituição de 1891. Dado o conservadorismo da oligarquia rural, os esforços reformistas do fim do século XIX terminaram sendo contidos diante do ciclo de prosperidade proporcionado pela economia primário-exportadora, sobretudo a parte ancorada no café. O anacronismo da República Velha, acomodado pelo liberalismo, postergou a longa transição do agrarismo para a sociedade urbano-industrial.

Com a Grande Depressão iniciada em 1929, o Brasil experimentou mais uma vez uma onda de reformas até então inéditas no capitalismo primário-exportador. Pelas mãos de uma grande e heterogênea frente política liderada por Getúlio Vargas, o país avançou de modo signifi cativo na direção do desenvolvimento de suas forças produtivas urbanas, especialmente industriais, acompanhadas de avanços regulados por políticas sociais e trabalhistas aos ocupados formais nas cidades. Em menos de cinco décadas, o país tornou-se urbano e industrial, embora somente a metade de sua força de trabalho estivesse resguardada pelo sistema de proteção social e do trabalho, dada a postergação na realização das reformas clássicas do capitalismo contemporâneo (agrária, tributária e social).

Na crise atual do capitalismo globalizado, iniciada em 2008, o Brasil voltou a ter condições de protagonizar um novo salto desenvolvimentista, após a passagem de mais de duas décadas da regressão econômica e social e de sua contradição com a vigência do regime democrático sem paralelo em toda a sua história. Para isso, contudo, o país não deveria se perder em aspectos marginais, especialmente quando se trata de convergir para a consolidação de uma nova maioria política, capaz de sustentar o desenvolvimento brasileiro em novas bases econômicas, sociais e ambientais. Dois aspectos dessa perspectiva são tratados a seguir em relação ao papel do Estado brasileiro, como nos caso da presença do país no mundo e da reconfiguração socioeconômica interna. Antes disso, contudo, considera-se o movimento maior de reestruturação no centro do capitalismo mundial processado.

I. Crise e reestruturação capitalista
A crise mundial nesta primeira década do século XXI poderá ser ressaltada no futuro próximo por ter promovido as bases de uma nova fase de desenvolvimento capitalista. Isso porque a crise atual se apresenta como a primeira a se manifestar no contexto do capital globalizado, uma vez que as depressões anteriores (1873 e 1929) ocorreram num mundo ainda constituído por colônias (pré-capitalista) e na presença de experiências nacionais de economias centralmente planejadas.

A nova fase do desenvolvimento depende crescentemente da retomada do capitalismo reorganizado, após quase três longas décadas de hegemonia neoliberal. Os quatro pilares do pensamento único (equilíbrio de poder nos Estados Unidos, sistema financeiro internacional fundado nos derivativos, Estado mínimo e mercados desregulados) tornaram-se cada vez mais desacreditados. A reorganização capitalista mundial pós-crise deve apoiar-se numa nova estrutura de funcionamento. O tripé da expansão do capital consiste: (i) na alteração da partilha do mundo em função do policentrismo; (ii) na era da associação direta da ultramonopolização do setor privado com o Estado supranacional; e (iii) na revolução da base técnico-científica da produção e do consumo sustentáveis ambientalmente, conforme pode ser identificado na sequência.

Nova partilha do mundo
Com os sinais de fracasso do equilíbrio do mundo hegemonizado pelos Estados Unidos, após a queda do Muro de Berlim, tornou-se mais evidente o movimento de deslocamento relativo do centro dinâmico. Diferentemente da experiência anterior de transição da hegemonia inglesa para os Estados Unidos, consagrada pouco a pouco pela saída da crise de 1929, percebe-se hoje a possibilidade real do mundo pós-crise ser constituído pelo dinamismo policentrista. Ou seja, o fortalecimento de diversos centros regionais do desenvolvimento mundial.

Nos dias de hoje, os controversos sinais de decadência dos Estados Unidos parecem ser mais relativos do que absolutos, tendo em vista a desproporção econômica, tecnológica e militar ainda existente em relação ao resto dos países do mundo. Apesar disso, observa-se que no contexto de emergência da reestruturação no centro do capitalismo mundial ganham maiores dimensões os espaço mundiais para a construção de uma nova polaridade no sul da América Latina, para além dos Estados Unidos, da União Europeia e da Ásia.

No âmbito sul-americano, as iniciativas de coordenação suprarregional remontam ainda à instituição do Mercosul, mas têm ganhado impulso desde a recente articulação supranacional em torno da Unasul e do Banco Sur. Isso tudo, entretanto, não pode representar apenas iniciativas de vontades políticas, pois dependem cada vez mais de decisões governamentais mais efetivas, por intermédio de políticas públicas que procurem referendar o protagonismo de um novo centro regional de desenvolvimento.

Essa possibilidade real de partilha do mundo em novas centralidades regionais implica – além da coordenação de governos em torno de Estados supranacionais – aceitação da parte dos Estados Unidos de uma reestruturação interna. Do contrário, cabe resgatar o fato de a fase de decadência inglesa desde a Primeira Guerra Mundial ter sido demarcada por grandes disputas econômicas e, sobretudo, militares entre as duas principais potências emergentes da época: Estados Unidos e Alemanha. Ao mesmo tempo, a reação sul-americana à condição de economia exportadora de commodities para a China termina por equivaler ao retorno de uma situação que predominou até o início do século XX: a de exportadora de bens primários para a Inglaterra.

Inédita relação do Estado com a ultramonopolização privada
Na passagem para o século XXI, o modelo de globalização neoliberal produziu, entre outros eventos, uma inédita era do poder monopolista privado. Até antes da crise mundial, não havia mais do que quinhentas corporações transnacionais com faturamento anual equivalente a quase a metade do Produto Interno Bruto (PIB) mundial.

No contexto pós-crise, tende a ser um contingente ainda menor de corporações transnacionais a governar qualquer setor de atividade econômica, o que pode resultar numa ultramonopolização privada sem paralelo histórico. Essa realidade possível faz com que os países deixem de ter empresas para que empresas passem a ter países.

A ruína da crença neoliberal explicitada pela crise atual tornou profundamente desacreditadas tanto a vitalidade dos mercados desregulados quanto a suficiência do sistema financeiro internacional assentado nos derivativos. Por isso, espera-se que algo de novo surja das práticas de socialismo dos ricos praticadas na crise mundial por intermédio das enormes ajudas governamentais às corporações transnacionais (bancos e empresas não financeiras).

A maior interpenetração governamental na esfera dos altos negócios ultramonopolistas do setor privado global pode dar lugar ao fortalecimento de Estados supranacionais, o que poderia alterar as condições gerais de produção dos mercados (regulação da competição intercapitalista e apoio ao fi nanciamento das grandes empresas). Em resumo, percebe-se que a viabilização do capital ultramonopolista global tende a depender crescentemente do fortalecimento do Estado para além do espaço nacional.

Diante da maior instabilidade do capitalismo submetido a poucas e gigantescas corporações transnacionais – muito grandes para quebrarem a partir da própria lógica do mercado –, amplia-se o papel do Estado em relação à acumulação de capital. A coordenação entre os Estados supranacionais poderá permitir a minimização das crises diante da regulação da competição intercapitalista. Todavia, o estreitamento da
relação cada vez mais orgânica do Estado com o processo de acumulação privada do capital global deve reverter-se no aprofundamento da competição entre os Estados nacionais.

Revolução na base técnico-científica e perspectivas da produção ambientalmente sustentável
O terceiro elemento do novo tripé do possível surgimento do capitalismo reorganizado encontra-se associado à mais rápida aceleração e internalização da revolução técnico-científica no processo de produção e consumo. Pelo conhecimento produzido até o momento acerca da insustentável degradação ambiental gerada pelas atuais práticas de produção e consumo, sabe-se que a saída da crise global não deveria passar pela mera reprodução do passado.

Nesse sentido, o padrão de produção e consumo precisa ser urgentemente reconfigurado. Para isso, não apenas a matriz energética mundial vem sendo alterada, como as alternativas de sustentabilidade ambiental tornam-se cada vez mais viáveis do ponto de vista econômico (lucrativas). Assim, as penalizações governamentais às atividades de produção e consumo degradantes ambientalmente devem crescer e ser politicamente aceitas, permitindo que um conjunto de inovações técnico-científicas possa fazer emergir um novo modelo de produção e consumo menos encadeador da maior mudança climática.

Da mesma forma, o avanço da sociedade pós-industrial, cada vez mais apoiada no avanço do trabalho imaterial, tende a viabilizar uma profunda reorganização dos espaços urbanos, fruto de exigências do exercício do trabalho em locais apropriados (fazenda para a agricultura e pecuária, fábrica e indústria para a manufatura, entre outros). Pelo trabalho imaterial, a atividade laboral pode ser exercida em qualquer local, não mais em espaços previamente determinados e apropriados para isso, bem como em qualquer horário.

Com isso, a reorganização social em comunidades territoriais torna-se possível, o que pode evitar o comprometimento temporal cotidiano com os deslocamentos de casa para o trabalho e vice-versa, entre outras tarefas comuns. Nesses termos, o fundo público precisará ser fortalecido muito mais com base na tributação de atividades de produção e consumo ambientalmente degradantes, assim como nas novas formas de riqueza vinculadas à expropriação do trabalho imaterial.

Somente a maior ampliação do fundo público poderá permitir a postergação do ingresso no mercado de trabalho a partir dos 25 anos, com o estabelecimento de mecanismos que permitam o processo de educação e aprendizagem para a vida toda e, ainda, jornada laboral de até 12 horas por semana. Tudo isso, contudo, pressupõe maioria política necessária para tornar realidade o que hoje se apresenta como mera possibilidade. Do contrário, o excedente de força de trabalho cresce, com atividades cada vez mais precárias e empobrecedoras, em meio à acumulação de nova riqueza global. 

II. Recente reposicionamento brasileiro
Pela primeira vez desde a Depressão de 1929, a recuperação econômica mundial vem se realizando sob liderança de países não desenvolvidos. China, Índia e Brasil promovem cerca de dois terços da expansão econômica mundial desde a crise global em 2008, reafi rmando a via já observada desde o início da década de 2000. No caso brasileiro, o Estado apresentou-se como peça fundamental do reposicionamento do país no mundo, seja pela decisiva consolidação do gasto social com nova dinâmica econômica, seja pelo planejamento estratégico de coordenação dos investimentos no país.

Por um lado, a força emergente dos impulsos provenientes da economia social tende a se diferenciar do ciclo de expansão produtivo das décadas de 1930 e 1980, quando permaneceu secundária e subordinada às decisões de gastos privado e público. Até então, a máxima de crescer para depois distribuir predominava, implicando continuadamente no tempo um espaço, em geral estreito, para o avanço da autonomia relativa do gasto social. As bases da economia social atual originam-se da Constituição Federal de 1988, que estabeleceu os grandes complexos do Estado de bem-estar social no Brasil, em especial no âmbito da seguridade social (saúde, previdência e assistência social), favoráveis a um avanço importante do gasto social absoluto e relativo ao PIB. 

Nos dias de hoje, o gasto social agregado aproxima-se de 23% do PIB, quase 10 pontos percentuais a mais do verificado em 1985 (13,3%). Ou seja, de cada quatro reais gastos no país, um vincula-se diretamente à economia social. Se for contabilizado também seu efeito multiplicador (elasticidade de 0,8), pode-se estimar que quase a metade de toda a produção de riqueza nacional encontra-se relacionada de modo direto e indireto à dinâmica da economia social.

O impacto econômico do avanço recente do Estado de bem-estar social no Brasil não tem sido ainda muito bem percebido. Tanto assim que continua a reinar a visão liberal-conservadora que considera o gasto social secundário, quase sempre associado ao paternalismo de governantes e, por isso, passível de corte. De maneira geral, registra-se que o rendimento das famílias depende, em média, de quase um quinto das transferências monetárias derivadas das políticas previdenciárias e assistenciais da seguridade social brasileira. 

Antes da Constituição Federal de 1988, as famílias não chegavam a deter, em média, 10% de seus rendimentos das transferências monetárias. Os segmentos de menor rendimento foram os mais beneficiados pela constituição do Estado de bem-estar social, uma vez que em 2008 a base da pirâmide social (10% mais pobres) tinha 25% de seu rendimento dependente das transferências monetárias, enquanto em 1978 essa porcentagem era somente de 7%. Uma elevação de 3,6 vezes. No topo da mesma pirâmide social (10% mais ricos), as transferências monetárias respondiam, em 2008, por 18% do rendimento per capita dos domicílios ante 8% em 1978. Ou seja, aumento de 2,2 vezes. Adicionalmente, observa-se que, em 1978, somente 8,3% dos domicílios cujo rendimento per capita situava-se no menor decil da distribuição de renda recebiam transferências monetárias, enquanto no maior decil as transferências monetárias alcançavam 24,4% dos domicílios. Quarenta anos depois, constata-se que 58,3% das famílias na base da pirâmide social recebem transferências monetárias, assim como 40,8% do total dos domicílios mais ricos do país. Houve aumento de 7 vezes para as famílias de baixa renda e de 1,7 vezes para as famílias de maior rendimento. 

Em virtude disso, podem-se tirar algumas conclusões a respeito do impacto das transferências previdenciárias e assistenciais sobre a pobreza. Sem as transferências monetárias, o Brasil teria, em 2008, 40,5 milhões de pessoas com rendimento de até 25% do salário mínimo nacional. Com a complementação de renda pelas transferências, o Brasil registra 18,7 milhões de pessoas com até um quarto de salário mínimo mensal. Em resumo, são 21,8 milhões de pessoas que conseguem ultrapassar a linha de pobreza extrema (até 25% do salário mínimo per capita). Em 1978, o efeito da política de transferência monetária impactava somente 4,9 milhões de pessoas.

No caso do efeito das transferências monetárias nas unidades da Federação, identificam-se dois aspectos inovadores que decorrem da emergência da economia social. O primeiro relaciona-se ao maior peso das transferências no rendimento médio das famílias nos estados nordestinos, como Piauí (31,2%), Paraíba (27,5%) e Pernambuco (25,7%), bem acima da média nacional (19,3%). Até aí, nada muito destoante do senso comum, salvo pela constatação de o Rio de Janeiro ser o quarto estado da Federação com maior presença das transferências no rendimento das famílias (25,5%, ante 16,4% em São Paulo). O segundo aspecto decorre da constatação de que as famílias pertencentes aos estados mais ricos da Federação absorvem a maior parte do fundo público comprometido com transferências monetárias. Assim, a região Sudeste consome 50% do total dos recursos anualmente comprometidos com as transferências previdenciárias e assistenciais da seguridade social, dos quais 23,5% vão para São Paulo, 13,7% para o Rio de Janeiro e 10,9% para Minas Gerais. A descoberta dessas novidades no interior da dinâmica econômica brasileira atual impõe a reavaliação da eficácia dos velhos pressupostos da política macroeconomia tradicional. A economia social sustenta, hoje, parcela significativa do comportamento geral da demanda agregada nacional, além de garantir a considerável elevação do padrão de vida dos brasileiros, sobretudo daqueles situados na base da pirâmide social.

Por outro lado, o planejamento agregado dos investimentos foi inicialmente retomado pelo bloco de recursos voltados para a Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e, na sequência, para o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Nesse contexto, o país começou a ensaiar os últimos passos da transição da macroeconomia financeira para a da produção. Pelo lado da PDP, o país imprime intensa reestruturação
patrimonial nos setores privados e estatal, com recursos públicos e reposicionamento dos fundos de pensão das empresas estatais. Liderado pelo BNDES, o país forma também grandes empresas transnacionais (construção civil, alimentos, energia, siderurgia, transportes e outras) cujo objetivo é reinserir-se no espaço restrito da ultramonopolização da competição capitalista mundial, guiada por não mais do que quinhentas empresas transnacionais. Dessas, somente três possuem faturamento anual equivalente ao PIB brasileiro, atualmente o oitavo do mundo.

O estágio atual da reestruturação capitalista faz com que grandes empresas sejam maiores que Estados nacionais, e não sejam mais os países que detenham empresas, mas justamente o inverso. O Brasil, nesse caso, segue tardiamente a trajetória asiática de constituição de grandes empresas globais, após duas tentativas frustradas (na constituição de um grande holding do setor público durante o Plano Cruzado, em 1986, e na privatização dos anos 1990, que transferiu patrimônio público equivalente a 15% do PIB para o setor privado, sobretudo estrangeiro). 

Nos últimos três anos, quase um terço do total dos recursos disponibilizados pelo BNDES foram canalizados para somente dez grandes grupos econômicos privados em processo de concentração e fusão. Se se considerar as empresas estatais, chega-se ao resultado de quase dois terços do total dos recursos (286 bilhões de reais) desembolsados pelo banco público para apenas doze grandes empresas nacionais privadas e estatais. Com isso, a coordenação dos investimentos estimulada pelo aparelho de Estado visa reduzir – quase duas décadas depois da equivocada privatização selvagem imposta pelas políticas neoliberais – a dependência e a subordinação do capitalismo brasileiro, cada vez mais associado à lógica do século XIX (produtor e exportador de produtos primários). Com o deslocamento do centro dinâmico mundial dos Estados Unidos para a Ásia, em especial para a China, o Brasil, assim como toda a América Latina e África, passaram a assumir o papel de principal ofertante de commodities, o que leva passivamente à reprimarização de sua pauta de exportação. A PDP, nesse sentido, projeta o salvamento de alguns setores dessa triste trajetória de subordinação imposta pela trágica condução neoliberal do passado.

Na perspectiva do PAC, percebe-se o planejamento estratégico de concentrar recursos públicos na reconstituição da infraestrutura econômica e social, abandonada pelo neoliberalismo e depauperada por mais de duas décadas de desinvestimentos. Nos setores de energia (elétrica, fóssil, eólica), de saneamento e habitação popular e ainda de ferrovias, aeroportos, portos, estradas, tecnologias e outras, a roda da economia começou a se movimentar, com importantes impactos regionais e locais derivados da volta dos grandes projetos nacionais de reforço à integração nacional. Dos mais de 1 trilhão de reais de investimentos previstos pelos PACs 1 e 2, quase quatro quintos deles encontram-se direcionados à energia e à infraestrutura urbana. Somente na programação de desembolsos para saneamento e habitação popular, destaca-se que 75% dos recursos são provenientes da Caixa Econômica Federal e visam reduzir o enorme défi cit de moradia que atinge a base da pirâmide social, urbanizando parte das favelas situadas nos grandes centros metropolitanos do país.

Ao mesmo tempo, o conjunto de investimentos conduzidos pelo PAC tende a alterar a dinâmica regional. Com isso, parte do enorme vazio produtivo e ocupacional em grandes áreas do país passa a contar com investimentos que fortalecem a estruturas das atividades econômicas, o que contribui para reduzir o grau de concentração da renda nas regiões centro-sul.

III. Considerações finais acerca da refundação do Estado
Após 25 anos de consolidação do regime democrático, o Brasil parece constituir esforços importantes rumo ao projeto nacional de desenvolvimento. Ademais do obstáculo de consagrar uma nova maioria política que ouse mais na direção da transformação da crise mundial atual como oportunidade de maior reposicionamento do país no mundo, cabe ainda a árdua tarefa da refundação do Estado sob novas bases. Três podem ser seus eixos estruturantes.

O primeiro consiste numa reorganização administrativa e institucional que viabilize a reprogramação de todas as políticas públicas a partir da matricialidade e da integração setorial de suas especialidades. Enquanto o Estado funciona na forma de caixinhas setoriais (educação, saúde, trabalho e outros) e regionais, os problemas atuais tornam-se cada vez mais complexos e totalizantes, não podendo ser superados pela lógica de organização pública em partes que não se comunicam, quando concorrentes entre si. A fonte disso encontra-se centrada na recuperação do sistema de planejamento democrático e transparente de médio e longo prazos.

O segundo eixo concentra-se na necessária ampliação das políticas distributivas para as redistributivas. Ou seja, a transição da melhor repartição social do orçamento governamental para a expansão da progressividade do fundo público, com a redução da carga tributária sobre a renda do trabalho e a ampliação de impostos, taxas e contribuições sobre a renda do capital (lucro, juros, aluguel e renda de terras). Arrecadando mais e melhor, o Estado passa a alterar a desigualdade medieval que se mantém no Brasil.

O terceiro eixo refere-se à reinvenção do mercado, tendo em vista o poder dos grandes grupos econômicos sobre o Estado. Ademais das exigências de transparência e crescente participação social, o Estado precisa reconstituir-se fundamentalmente para o verdadeiro mar que organiza os micro e pequenos negócios no país, com políticas de organização e valorização do setor por meio da criação de bancos públicos de financiamento de produção e comercialização, fundos de produção e difusão tecnológica e assistência técnica (uma “embrapa” urbana) e de compras públicas. Algo nesse sentido ocorre de modo contido pela força do Sebrae, por crédito consignado e de bancos públicos e pelas novas leis (Lei Geral da Micro e Pequena Empresa e Micro Empreendedor Individual), mas há ainda muito o que fazer, e o cume seria a criação de um ministério específico para isso.

Esses são alguns dos passos que o Brasil precisa percorrer. A refundação do Estado é urgente e inadiável. A oportunidade trazida pela crise mundial é real, mas depende da capacidade interna de organizar uma nova maioria política, capaz de pôr em marcha o projeto nacional do desenvolvimento, sonhado por muitos e que agora ameaça se tornar realidade. O tempo, que é senhor de si, indicará proximamente quando o Brasil deixou de ser o país do futuro. 

(*) Marcio Pochmann é presidente do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA)

terça-feira, 5 de julho de 2011

Protagonistas da Conferência Ethos



Clemente Ganz Lucio, do Dieese, e Guilherme Dias, do Ipea, comentam as expectativas de suas organizações em relação à agenda para uma nova economia.

Dando continuidade à série de entrevistas com os parceiros do Instituto Ethos na preparação coletiva da Conferência Ethos 2011, o Notícias da Semana traz a visão de mundo de organizações da sociedade civil. Nesta edição, representantes do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) contam como pretendem auxiliar o país a se tornar um dos “Protagonistas de uma Nova Economia – Rumo à Rio+20”, tema da conferência que acontecerá entre os dias 7 e 9 de agosto próximo.

Até lá, tentaremos ouvir a maior parte das 35 organizações representantes do conjunto da sociedade que vêm contribuindo para a construção de uma agenda em torno da Plataforma por uma Economia Inclusiva, Verde e Responsável – um dos principais eixos da Conferência. Essa agenda deve contemplar as diferentes expectativas e contribuições dos organizadores que representam trabalhadores, empresários e organizações não governamentais, além dos setores público e acadêmico.

A seguir, as entrevistas com Clemente Ganz Lucio, diretor técnico do Dieese, e Guilherme Dias, assessor da presidência do Ipea.

Notícias da Semana: De que maneira a sociedade, o governo, representantes dos trabalhadores, ONGs e empresas podem trabalhar juntos para assumir compromissos que acelerem a entrada do país nesse novo modelo econômico?

Clemente Ganz Lúcio: É preciso refletir a partir do pressuposto de que os problemas decorrentes das mudanças climáticas causam impactos sem precedentes na história. Nunca a humanidade enfrentou um problema dessa magnitude e, como no mundo predomina a economia de mercado (na qual há indivíduos o tempo todo tensionando com outros indivíduos), nossa sociedade ocidental democrática precisa renovar e reforçar seu papel com mecanismos de gestão coletiva para ingressarmos nessa nova economia. Isso exige negociação a ser construída num espaço de diálogo, envolvendo todos os atores sociais, porque ninguém está excluído dos impactos terríveis que sofreremos se não adotarmos um novo modelo econômico. Atividades, eventos, processos, movimentos semelhantes ao que o Ethos faz como essa conferência criam ambientes favoráveis ao diálogo, movimentando agentes políticos, ONGs, empresas, trabalhadores. É fundamental também que determinados posicionamentos ganhem presença na política pública, que uma diretriz tirada numa Conferência Ethos vire diretriz de política pública. Assim como faz diferença numa economia de mercado, a presença do Estado, também será fundamental para acelerar a transição para uma economia verde e inclusiva. Ele vai, por exemplo, colocar balizas que incentivem as empresas a repensar sua atuação. O Estado tem de entender que cabe a ele operar o processo de transformação para o qual a sociedade acena. Caso contrário, o que levará uma empresa a mudar seu plano de negócio? A economia é demandante de recursos materiais e de energia e, na sociedade de mercado, a realização da renda, da riqueza, é dada pela velocidade do consumo. Então, a empresa aposta na expansão do consumo. Quanto mais ela vender e quanto menor for a vida útil do seu produto, mais lucro terá.

Notícias da Semana: Como o Ipea pode trabalhar junto à sociedade e ao governo para acelerar a caminhada do pais em direção a esse novo modelo econômico?

Guilherme Dias: Há 46 anos o Ipea acompanha a evolução no modo de como o Estado se relaciona com a sociedade. Portanto, ouvir, consultar a sociedade é exigência para o Ipea poder melhorar continuamente a qualidade de sua produção. Nossa instituição é o maior centro de pesquisa de formulação e avaliação de políticas públicas das Américas. Nem os Estados Unidos possuem uma fundação pública com essas responsabilidades. A construção das políticas públicas passa pelo debate com a sociedade. Afinal, é ela quem sabe o que precisa e o que quer. O Ipea acompanha a questão ambiental desde a Eco-92 e vários estudos sobre a economia verde e outras questões relacionadas ao meio ambiente estão disponibilizadas no site da instituição. O debate sobre o desenvolvimento é muito presente e dinâmico na sociedade do século XXI e o Ipea também cumpre sua missão nesse cenário. Em novembro passado realizamos a 1ª. Conferência Nacional do Desenvolvimento, da qual participaram desde estudantes e operários até doutores e ministros de Estado. Durante três dias, aconteceram mais de 50 oficinas e seis painéis sobre os mais variados temas, de energia nuclear a inclusão social. A formação de redes com pesquisadores nacionais e de outros países são outro meio de o Ipea se manter conectado à sociedade.

NS: Que tipo de mudanças o país precisa implementar para que essa nova economia seja de fato inclusiva, calcada na quebra de paradigmas (como o do incentivo ao consumo) extremamente arraigados no atual modo de fazer negócios? Como o Dieese e o Ipea vêm enfrentando esse desafio?

CGL: Temos de caminhar para mudanças de paradigmas em dois extremos: no modo de produção e no de consumo, revendo as formas de distribuir essa produção. Precisamos começar a decidir as escolhas que faremos para mudar nosso futuro. A escolha errada comprometerá a continuidade da vida no planeta. Está claro que não é sustentável manter o atual padrão de consumo mundial. A energia, por exemplo, nos níveis de consumo do modelo europeu ou japonês, se for demandada na mesma quantidade por africanos, latino-americanos e asiáticos, o planeta não suporta. Também serão críticas as conseqüências de outras escolhas, como continuar expandindo nossa fronteira agrícola. Temos de olhar para isso como metas sociais, políticas e econômicas de toda a sociedade, o que necessariamente exige um movimento organizado que se contraponha às posições dominantes sobre o modelo econômico a ser adotado. Os europeus tomaram uma decisão coletiva de reduzir drasticamente seu consumo de energia. Já os americanos não têm essa visão. O que fazemos? Uma guerra contra os Estados Unidos? Como conseguir sensibilizar a sociedade americana para que ela apoie esse tipo de movimento? Por outro lado, o que diremos aos chineses, latino-americanos e africanos que vêm sendo incluídos no mercado de consumo? Que eles não têm o direito de desfrutar de um estilo de vida tão almejado como o europeu ou o americano? São questões complexas, decisões que precisam ser aceleradas, porque percebemos que as discussões têm ocorrido, mas a efetividade da implementação é baixa. Essa diretriz do diálogo entre agentes que representem a sociedade visa responder ao desafio de propor transformações num espaço democrático, sem guerra nem totalitarismo. Como se faz isso, sem parecer um enfrentamento de posições numa mesa de bar? Identificando metas, objetivos e diretrizes comuns a essa disputa. E todos os atores sociais têm de se engajar. As organizações ligadas aos consumidores, por exemplo, precisam trabalhar para desenvolver a consciência de que o consumo nesse nível é predatório.

GD: Um bom começo seria aprofundar, nos aspectos qualitativo e quantitativo, as políticas públicas universalizantes. Precisamos procurar meios e condições para que o Estado ganhe eficiência estrutural, principalmente na educação pública, de modo a implementar um ambiente de avanços culturais. Precisamos de uma escola pública que ensine e incentive o processo de reflexão mais sistêmico e menos enciclopédico.

NS: Cooperação é a palavra de ordem da nova sociedade que buscamos. Qual o papel do Dieese, do Ipea, do governo, das empresas, dos agentes financeiros e de outras instituições no esclarecimento da sociedade sobre a necessidade de romper paradigmas (de consumo, de métricas para avaliar a economia, de crescimento/desenvolvimento)?

CGL: Cabe aos trabalhadores, enquanto produtores econômicos, pensar a produção sob outra ótica, com foco numa sociedade sustentável. Revertendo, por exemplo, a estratégia de transporte individual para coletivo, no caso das grandes cidades – e aí entra também a vontade política de prefeitos e governadores de criarem espaços urbanos para que o transporte coletivo funcione com agilidade. É preciso assumir essa diretriz como estruturante de uma gestão pública e, sem a pressão dos movimentos sociais para que essa mudança ocorra, ficamos apenas nos discursos politicamente corretos. Vejam a questão da proibição do fumo em espaços públicos, hoje virando procedimento em todo o país. Ou seja, há possibilidade de se mudar uma cultura arraigada e o poder público assume essa mudança quando a sociedade se movimenta para isso. Temos de nos organizar, trabalhar a conscientização, investir no diálogo, firmar compromissos. Temos de insistir, não há outra alternativa. Ou melhor, a outra alternativa é deixar como está. O homem, que se considera uma forma de existência “superior”, será a primeira espécie a provocar sua própria extinção, a menos que tenhamos a capacidade política de perceber que a expansão desse nível de desenvolvimento não é sustentável. O Brasil mudou. Antes, dois terços da nossa população estavam fora do mercado de consumo, então o país era viável para aquele um terço que consumia, andava de carro, usava os aeroportos. Havia uma estrutura urbana adequada para aquelas pessoas que iam ao cinema, ao shopping. Agora, com a expansão da classe média e a inclusão de milhões de brasileiros na economia, começaram a aparecer os gargalos estruturais. Quanto mais inclusiva for nossa sociedade, mais esse cenário vai mudar. E como faremos para transformar essa situação num ambiente favorável? Ou voltaremos a excluir esses dois terços da população? É um desafio muito grande. Numa economia de mercado fortemente capitalista, em que se valoriza a perspectiva de acumulação privada de riqueza, pensar no coletivo é complicado. A empresa não pensa no coletivo; atua dentro da lógica estabelecida, que é vender mais, produzir mais, faturar e lucrar mais, esgotando os recursos naturais. É difícil colocar o bem-estar coletivo, pensando no planeta, acima dos interesses individuais e privados. O discurso que se ouve é: “Trabalho, ganho o meu dinheiro e tenho o direito de comprar um carro de 2 toneladas para transportar uma pessoa de 70 quilos”. Estão aí os carros cada vez maiores, mas as pessoas esquecem que a soma dos direitos individuais não cabe no planeta. Ou conseguimos estabelecer a referência de que o coletivo pressupõe um olhar para o outro, ou não avançaremos. Temos de insistir, porque sabemos que o resultado dessa história toda não será nada bom.

GD: Conscientização é um processo lento. Não dá para, num curto prazo, mudarmos uma cultura consumista estimulada diariamente pela mídia a se expandir ainda mais. O dilema é: será que os agentes financeiros, por exemplo, que lucram com as operações especulativas nas bolsas de valores, querem mudar o modelo atual? Por outro lado, com a desaceleração do consumo, a produção diminui e o desemprego aumenta. Mas já é possível detectar um movimento positivo de incentivo à nova economia, com a criação de fundos de ações de indústrias que respeitam o meio ambiente. Nosso país, privilegiado pela grandeza e diversidade de seus ecossistemas, reúne condições de dar um salto de qualidade na questão da economia verde. Existe um forte movimento envolvendo centros de pesquisa – como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) – e universidades da Região Norte do país, num debate já bastante avançado sobre a economia verde. Há, inclusive, experiências regionais muito interessantes, como é o caso da exploração do açaí no Pará, sem desmatamento, com preservação ambiental e geração de renda e riqueza para a sociedade local.

Por Denise Ribeiro, para o Instituto Ethos